24 de outubro de
2011
A divulgação da correspondência recente entre Muammar Kadhafi e alguns
dirigentes mundiais revela detalhes pouco conhecidos.
Seguem trechos de uma carta enviada a Barack Obama em 20 de março de
2011:
Ao nosso filho,
o honorável Barack Hussein Obama,
Como eu afirmei
anteriormente, mesmo que – Deus permita que isto não aconteça – haja uma
guerra entre a Líbia e a América, você continuará a ser meu filho e eu
ainda continuarei a amá-lo. Eu não quero mudar a imagem que tenho de
você. Todo o povo da Líbia está comigo, pronto a morrer, até mesmo as
mulheres e as crianças. Nós estamos lutando contra nada menos do que a
Al Qaeda, no que eles chamam de o Maghreb Islâmico. É um grupo armado
que está combatendo da Líbia à Mauritânia, e ao longo da Argélia e do
Mali... Diga o que você faria se os encontrasse ocupando as cidades
americanas pela força das armas?
A resposta do César negro americano veio no dia da morte do líder líbio
e soou como a declaração de um verdadeiro capo mafioso, quando afirmou
que aquele dia representava “um momento extraordinário” na história da
Líbia e reafirmava mais uma vez “a força dos Estados Unidos”.
Já em relação aos asseclas do César americano: o minigângster Nicolas
Sarkozy, presidente da França, o primeiro-ministro inglês David Cameron
e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban
Ki-moon, Kadhafi não tem palavras tão amáveis.
Em um trecho de carta dirigida aos outros articuladores da invasão da
Líbia, ele diz o seguinte:
A Líbia não lhes
pertence, a Líbia é dos líbios. A resolução do Conselho de Segurança não
tem nenhum valor porque fere as normas da Carta que rege os assuntos
internos de qualquer país. Este é um ato de terrível opressão, uma cruel
agressão.
Vocês nunca
tiveram o direito de intervir nos nossos assuntos internos. Quem lhes
deu esse direito? Vocês se lamentarão se ousarem invadir o nosso país.
Este não é o seu país. Nós não podemos atirar uma única bala em nosso
povo.
Em um pequeno exercício de imaginação, consideremos então o seguinte: o
“honorável” presidente americano escreve uma afetuosa carta ao líder
líbio declarando-lhe o seu amor e, em resposta, Kadhafi ordena a sua
imediata execução, saudando a morte de Obama como um “momento
extraordinário na história dos Estados Unidos”.
O que poderia acontecer nesta circunstância? Naturalmente, a gloriosa
imprensa corporativa ocidental consideraria a atitude como digna de um
“sanguinário ditador”.
No entanto, porque é que não diz o mesmo do presidente dos Estados
Unidos, que defende a tortura como um instrumento de Estado e a pratica
em Guantanamo; ordena a execução sem autorização judicial de cidadãos
norte-americanos; invade países sem nenhuma declaração de guerra e mata
centenas de milhares de pessoas por meio de mísseis controlados por
satélites, bombardeios com bombas que contêm material radioativo e
aviões não tripulados; massacra a sua própria população e a joga na
miséria para defender o interesse de um pequeno grupo de parasitas e
banqueiros, além de reprimir e encarcerar aqueles que ousam protestar
contra sua política discricionária e excludente?
Por acaso alguém que adota tal conduta não é também um “sanguinário
ditador”?
Para os meios de comunicação, que repercutem os interesses coloniais de
seus controladores, os “ditadores sanguinários” são sempre asiáticos,
árabes e muçulmanos, africanos ou latinos. Nunca são brancos europeus ou
norte-americanos. Sempre que esses dirigentes assassinos praticam uma
iniquidade – e elas se contam em milhares ao longo da história – sua
ação é justificada por uma razão maior e de caráter nobre, como acaba de
ocorrer com a destruição da Líbia, apresentada como movida por causas
“humanitárias”.
Alguém poderia dizer que desta vez estamos diante de um afro-americano.
Mas, como observou há pouco tempo o líder líbio recém-desaparecido que –
por declarações como esta talvez tenha sido silenciado – em seu afã de
agradar aos brancos o honorável Obama quis ficar ainda “mais branco do
que os próprios brancos”.
O grande poeta martinicano Aimé Césaire dizia que o que mais chocava a
hipócrita consciência europeia não era que Hitler tivesse feito o que
fez mas que “ele o tivesse feito contra os próprios europeus”.
Afinal, de que é constituída a história do colonialismo europeu senão de
acontecimentos – ampliados em uma escala gigantesca – semelhantes aos
que estão ocorrendo neste momento no norte da África?
Sérvulo Siqueira
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