8 de fevereiro
de 2009
No
prefácio do livro Os últimos
combates de Robert Kurz, publicado no Brasil pela Editora Vozes em
1997, o ensaísta Alselm Jappe escrevia textualmente:
O capitalismo está chegando ao fim. A prova: a queda da União Soviética.
(...) O colapso dos regimes do Leste não significa o triunfo definitivo
da economia de mercado, mas um passo ulterior em direção ao ocaso da
sociedade mundial da mercadoria.
Mais
de dez anos depois, a crise financeira americana, que se espalhou
rapidamente pela Europa e Ásia, expõe a primeira grande derrota do
modelo neoliberal. Por outro lado, os gigantescos muros que separam
Israel da Palestina e os Estados Unidos da América do território do
México, e a carnificina deixada em Gaza após sua invasão por forças do
exército de ocupação sinalizam a nova estratégia que começam a assumir
as guerras coloniais. Essa estratégia se acentua à medida que a crise se
agrava e as potências dominantes têm necessidade de se apossar de uma
maior quantidade de território e de recursos estratégicos dos países
periféricos.
Atuando como um rolo compressor e sempre levando em conta o conceito
pregado por Felipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, de que
“não há fortaleza que resista se você fizer entrar nela um burro
carregado de ouro”, o sistema hegemônico produtor de mercadorias não
se constrange em passar da diplomacia aos bombardeios quando percebe que
o antagonista pode resistir à primeira investida.
Desta forma, tem atuado de maneira consistente na Guerra do Golfo, e nas
invasões da Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbano e Palestina desde
que o bolo soviético se desmilinguiu – como observou com muito humor
Fidel Castro.
Seu
projeto consiste em aniquilar toda capacidade de resistência dos países
que não se submetem por completo à nova ordem comandada pelos Estados
Unidos, Europa, Israel e Japão ou fazem pouco caso de seus burrinhos
carregados de ouro, que nem sempre são o que parecem.
Sua
tática é geralmente concentrada na destruição completa, na obliteração
como propõe a secretária de Estado americana em relação ao Irã, da
infraestrutura civil do país – estradas de ferro e de rodagem, portos,
hospitais, escolas, estações de rádio e televisão, jornais, igrejas,
principalmente mesquitas, e até mesmo ambulâncias e caminhões contendo
alimentos e remédios – sob o argumento de que são usados por terroristas
como abrigo e escudos humanos, assim chamados todos aqueles que se opõem
à sua brutalidade política, não importando que isso resulte em centenas
e até milhares de mortes de crianças e mulheres, debitadas na conta de
danos colaterais.
Ao
reduzir toda uma organização social e humana a escombros, esse projeto –
que embora pareça completamente alucinado e demente – é meticulosamente
planejado e executado, pretende impor uma nova ordem econômica que possa
ser sucedida pela chegada dos empreendedores neoliberais, geralmente
banqueiros com empréstimos destinados a reerguer a sociedade que acaba
de ser destruída.
Esses fatos aconteceram no Iraque, logo após a Guerra do Golfo, sujeito
a um embargo que durou mais de dez anos e que motivou a arrogante
declaração da ex-secretária de Estado americana, Madeleine Albright, ao
ser questionada sobre as 500 mil mortes de crianças iraquianas,
provocadas pela falta de medicamentos:
– Este é o preço que têm que pagar por se oporem aos Estados Unidos da
América.
Da
mesma forma, isso também aconteceu na Iugoslávia, onde a liberação de um
empréstimo no valor de um bilhão de dólares coincidiu curiosamente com a
permissão dada pelo governo sérvio para o sequestro do ex-presidente
Slobodan Milosevic, levado a Haia onde morreu sem nunca ter sido
julgado.
Outra frente desse rolo compressor é a pilhagem dos recursos naturais
dos países conquistados e destruídos, que se apresenta sob as mais
diferentes formas, como o expediente de responsabilizar o agredido por
danos causados pelo próprio país agressor, postura que os Estados Unidos
adotaram com o Iraque e a União Europeia assume no momento em relação ao
Hamas, também inculpado pela limpeza étnica e demolição de casas e
edifícios perpetrada pelas forças armadas de Tzahal.
De
outro modo mas com os mesmos propósitos, a mais recente e sofisticada
forma deste colonialismo renovado são as investidas de países do Norte
na busca por terras ricas e férteis – especialmente dotadas de água e
áreas cultiváveis – adquiridas com o objetivo de que ali sejam
instalados verdadeiros enclaves produtores de bens e mercadorias a baixo
custo para a sua população.
Sabe-se hoje que um grupo sueco comprou meio milhão de hectares na
Rússia e que o banco norte-americano Morgan Stanley e o grupo
agroindustrial francês Louis Dreyfus adquiriram dezenas de milhares de
hectares no Brasil. A Coréia do Sul, o maior comprador mundial de
terras, já incorporou ao seu ativo 2.306 mil hectares, seguida pela
China, com 2.100 mil; Arábia Saudita (1.600 mil); Emirados Árabes (1.280
mil) e Japão (324 mil), o que perfaz um total de oito milhões de terras
férteis compradas ou alugadas no exterior.
No
momento, os Emirados Árabes Unidos detêm 900 mil hectares no Paquistão e
estão considerando projetos agrícolas no Cazaquistão. A Líbia adquiriu
250 mil ha na Ucrânia em troca de petróleo e gás e o grupo saudita
Binladen obteve terrenos na Indonésia para cultivar arroz. Por sua vez,
a China – que já possui terras na Austrália, Cazaquistão, Laos, México,
Brasil, Suriname e sobretudo na África – assinou mais de trinta acordos
de cooperação com governos que dão a Beijing acesso a vastas áreas.
Quanto à Coréia do Sul, que já controla no estrangeiro uma superfície
superior à totalidade de suas próprias terras férteis, também comprou 21
mil ha para a criação de gado na Argentina, país onde 10% do território
(cerca de 270 mil quilômetros quadrados) se encontram nas mãos de
investidores estrangeiros, que se beneficiaram da complacência dos
diferentes governos para adquirir milhões de hectares e recursos não
renováveis, sem restrições e a preços módicos. Entre estes, o maior
terrateniente é Luciano Benetton, industrial italiano da moda, que
possui em torno de 900 mil ha e se converteu no principal produtor de
lã.
Em
geral, a cessão de terras a Estados estrangeiros se traduz na
expropriação de pequenos produtores e no aumento da especulação e do
desmatamento. Um hectare de mata aufere um beneficio de quatro a cinco
mil dólares se abriga um cultivo de palma, ou seja dez a quinze vezes
mais benefícios econômicos do que o rendimento produzido pela madeira.
Isso explica por que as florestas da Amazônia, da bacia do Congo e de
Bornéo estão sendo substituídas por plantações e o recente decreto do
governo brasileiro que aumentou as áreas agrícolas na região, de 20%
para 50%, é indicativo desse fato.
Tudo
isto se faz sob o amplo espectro dos meios de comunicação dominados pelo
sistema anglo-saxão-sionista-nipônico, que se apresenta igualmente como
um verdadeiro rolo compressor ideológico que – ao atuar como um cordão
do bloco do pensamento único destinado a sufocar os anseios de
informação e aniquilar toda possibilidade de oposição – mente
deliberadamente, sonega informações, falseia e distorce as notícias.
Na
outra ponta desta ação concertada e calculada estão as vítimas desse
processo, os rostos invisíveis da globalização: refugiados, imigrantes e
os habitantes dos países periféricos que foram excluídos de toda a
sorte.
O
imenso repositório de emoção contido na Música Popular Brasileira já
expressou esse sentimento nas palavras do compositor José Flores de
Jesus, conhecido como Zé Kéti, que surgiu no cenário da música popular
nos anos 1950 e ficou celebrizado por trilhas sonoras de filmes de
Nélson Pereira dos Santos e sua participação no espetáculo Opinião, que
catalisou a resistência ao golpe militar de 1964. Em uma de suas muitas
belas canções, ele dizia:
– A dor da gente não sai no jornal.
Como
lembra o pensador espanhol Santiago Alba Rico, os seres invisíveis da
globalização – e eles se contam às centenas de milhões – não têm rosto,
modo de ser ou opinião para serem citados nas entrevistas dos meios de
comunicação. Nos relatos publicados pela imprensa sobre os resgates
realizados pela tripulação de um transatlântico de luxo e por um barco
de pescadores de náufragos oriundos da África, ocorrido em 2007 nas
costas da Europa, nunca se conhece o ponto de vista dos imigrantes: toda
informação fornecida sobre os acontecimentos procede sempre dos
passageiros europeus, enquanto o imenso drama dos náufragos é referido
apenas como um dado estatístico ou por intermédio do depoimento de um
observador.
Tão
invisíveis são esses seres que sequer são lembrados nas estatísticas: há
pouco tempo, o Banco Mundial, braço pesado da globalização anglo-saxã,
corrigiu uma estimativa anterior e acrescentou aos seus cálculos novas
400 milhões de pessoas que vivem em condições de pobreza no planeta.
Segundo o comunicado do Banco, “um bilhão e 400 milhões de pessoas que
habitam os países em desenvolvimento (um de cada quatro) subsistem com
menos de US$ 1,25 por dia em 2005”, enquanto as estatísticas anteriores
giravam em torno de um bilhão de pessoas.
O
mesmo se deu recentemente, durante o monumental bombardeio de Gaza pelos
nazi-sionistas de Tzahal, quando a imprensa se apressou em cobrir o
drama da família do soldado morto de Israel, enquanto se omitia de forma
cúmplice sobre a tragédia de mais de dez mil habitantes desse buraco
negro a céu aberto enquistado na Palestina.
Muito poucos líderes reagiram de forma clara a esse morticínio atroz.
Apenas quatro países decidiram romper relações com esse governo que
comete tantos crimes de forma tão contínua e impune: dois na África e
dois na América do Sul (Venezuela e Bolívia). Como sói acontecer nessas
situações, o Brasil – presidido no momento por Luís Inácio da Silva, o
queridinho de Wall Street – se comportou de maneira omissa e covarde,
certamente para não aborrecer os nossos senhores norte-americanos.
Restaram apenas algumas poucas frases, proferidas em tom candente pelo
primeiro-ministro turco Tayip Erdogan – as únicas permitidas pelo
moderador do Fórum de Davos, após ter concedido um longo tempo ao
genocida e corrupto Shimon Peres para explicações que certamente não
podem convencer nenhum ser humano decente.
Antes de abandonar o recinto, depois de ter a sua opinião abruptamente
cortada, o primeiro-ministro disse as seguintes palavras, que certamente
ecoarão por um longo tempo em todo o mundo muçulmano:
– O senhor é mais velho e sua voz é muito forte. O motivo para que eleve
o seu tom é a psicologia da culpa. Eu não elevarei tanto o meu tom.
Quanto ao assunto de matar, o senhor sabe bem como matar. Como
bombardeou as crianças nas praias de Gaza, como as matou, isso eu sei
muito bem.
Só
nos resta lembrar um brasileiro, o cineasta Rogério Sganzerla, que
profetizou em O Bandido da Luz
Vermelha (1967):
– O Terceiro Mundo vai explodir. Quem tiver sapato não sobra!
Sérvulo Siqueira |