Aleluia e Sartana

 

Dispondo de condições poucas vezes oferecidas ao cinema brasileiro - lente cinemascope, tela larga e uma cópia de boa qualidade — este filme faz placé com um kung fu no Rex. Na última sessão da noite o público, exercendo com espírito aguçado o seu direito de espectador, enchia o cinema. Não escapava à platéia que tanto os atores como os personagens eram grossos farsantes, mas a audiência optou por torcer  pelos bandidos, que no fim escapavam sãos e salvos embora sem dinheiro. A moral da história residia obviamente na pilantragem e pode-se dizer com certeza que ela não está somente na tela mas também por trás dela.

Se o público não se engana sobre o produto a que está assistindo nem quanto ao caráter de diversão que procura, muito menos o fazem distribuidores e exibidores em suas programações. Na verdade, não adianta muito reclamar do fato de que não veremos Casanova de Fellini, até porque infelizmente somente uma elite o faria. Melhor seria ainda que ocupássemos os grandes espaços vazios da nossa cultura com uma produção nacional de qualidade. Por outro lado, é fato que os elementos modeladores da nossa cultura estão mais em filmes como Aleluia e Sartana, que chegam em grande número ao nosso país e contribuem para produzir no público brasileiro a sensação de sermos estrangeiros em nossa própria casa. Sem querer defender a Censura, pode-se dizer que a presença de filmes como esse nos é mais nociva do que a ausência de Casanova. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 21 de dezembro de 1977

 

Tempo de  massacre

 

Assim como o Kung fu, na década de 70, o western-spaguetti se constituiu,  nos anos 60, no sucedâneo para o esgotamento da linha dos filmes históricos produzida nos estúdios de Cinecittá. Durante este processo, o cinema americano não estava apenas exportando os seus produtos mas o tipo de linguagem neles contida: esta sempre foi  uma das características da chamada política dos gêneros desenvolvida principalmente a partir do começo do cinema sonoro.

Exemplar tardio de um gênero praticamente em desaparição, este filme conta uma história com muitos pontos de contato com o kung fu que o precede na sessão. Em sua ação, conduzida ao ritmo dos tiros, há entretanto lugar para os dramalhões e os tipos caricaturais, uma contribuição que se pode considerar como mais claramente latina, embora este procedimento desfigure em sua essência a  propalada ética do colono americano. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 25 de janeiro de 1978

Um homem chamado Sacramento

 

Exibido em programa duplo com A rainha do kung fu, You've jinxed, friend, you've met Sacramento completa a sessão do Rex, expondo com isso o lixo da produção  comercial mundial. Preenchendo a mesma função antes exercida pelos filmes série-B do cinema americano, que acompanhavam como  complemento as grandes produções, tanto o gênero do kung fu como o do western-spaguetti nunca chegaram a exibir uma pulsação criativa e instigante. Este fato é denunciador de uma crise do cinema percebida desde a década de 50.

Das razões desta crise, este faroeste é um dos denunciadores, não pelo que diz de forma explícita mas pelo que revela implicitamente a sua mediocridade, a pouca criatividade e a banalidade de um material visual e sonoro constituído por sobras de cenário, além de atores inexpressivos e decadentes que executam uma representação caricatural e estratificada. Sua moral subserviente prova ao menos uma coerência: como sucedâneo oportunista, seus propósitos não vão além de um grotesco pastiche de similares mais bem acabados.

Publicada no jornal O Globo em 8 de março de 1978

 

Sérvulo Siqueira