Marília e Marina

 

Dez anos após ter sido escrito, chega finalmente ao público Marília e Marina, primeiro longa-metragem de Luis Fernando Goulart. E embora sendo uma estréia, não consegue esconder o sabor de uma tão longa hibernação. Inspirado na Balada das duas mocinhas de Botafogo, poema de Vinícius de Moraes publicado há 20 anos, é uma crônica trágica das ansiedades de uma classe média em decadência. Marília (Kátia D'Ângelo) e Marina (Denise Bandeira) assistem ao sepultamento do pai e recebem como capital apenas sua juventude e uma velha casa em Botafogo.

A partir daí o retrato que o filme traça da trajetória das duas personagens não chega a ser surpreendente, embora o final possa ser tido como desconcertante. Premidas pela necessidade de ascensão social a qualquer preço e pela moral patriarcal em que foram criadas, as duas irmãs caminham no sentido de sua desintegração. Filhas de um juiz de Direito, Marília e Marina seguem a princípio caminhos diversos, que revelam a sua perplexidade diante do mundo e que terminam por reaproximá-las num desfecho de trágica beleza.

Entretanto, decorrido tanto tempo, o diretor não soube atualizar o sentido crítico que o poema encerra. O resultado é que o filme ainda conserva o sabor nostálgico de crônica de costumes de uma época em que o Rio de Janeiro era uma cidade bucólica e arborizada e o casamento considerado uma instituição bem mais sólida.

Apoiado num elenco bem conduzido, Marília e Marina também acrescenta elementos novos ao cinema urbano. Recusando incorporar as características da pornochanchada, o filme procura manter o tom lírico do poema, reforçado pela música de Francis Hime. E mostra que Marilia e Marina são um produto da realidade urbana: nas palavras do poeta que as criou, "elas ainda estão aqui".

 

 Sérvulo Siqueira

 

Matéria publicada no jornal O Globo em 23 de janeiro de 1977