OS TÉCNICOS

 

Victor Bregman, Gerente Industrial do Laboratório Líder

 

Entrevista a Sérvulo Siqueira

 

SÉRVULO SIQUEIRA - Eu queria tocar num aspecto difícil da relação entre produtores e o laboratório. Trata-se do desaparecimento de negativos dos cofres do laboratório.

VICTOR BREGMAN - Sobre este problema de desaparecimento de originais, eu tenho um ponto de vista que, aliás, já externei em reunião de diretoria. É o seguinte: o original de qualquer pessoa deve ser tratado com muito cuidado. No Brasil você vai procurar um filme antigo e não encontra, e isto é fruto de uma situação muito complexa. Vamos então voltar às origens: os laboratórios procuram armazenar as fitas dos clientes para que, quando forem copiadas, já estejam no laboratório e assim a copiagem seja facilitada. Ocorre, no entanto, que uma área de armazenagem ocupa um espaço muito grande. No nosso caso, os filmes que estão sendo armazenados pela Líder encontram-se em dois lugares: na Líder-Botafogo, que vai ser fechada em pouco tempo, e em São Paulo, na antiga Rex Filme, instalada na Avenida 13 de Maio. Os filmes deveriam ser conservados num ambiente que oferecesse segurança, isto é, temperatura e umidade adequadas, de modo que eles tivessem uma vida longa. Em vez disso, eles são armazenados em galpões, lugares calorentos, às vezes chove dentro, e às vezes ocorre até mesmo que eles são conservados em lugares adequados mas sem a devida atenção. E isso decorre de quê? Isto vem do fato de que o produtor larga o negativo dentro do laboratório, esquece às vezes até vinte anos e depois vem procurar. Ora, em nenhum lugar do mundo o laboratório armazena um negativo por tanto tempo. Eu posso lhe mostrar os contratos de trabalhos feitos no exterior, em que o laboratório obriga os produtores de filmes a retirarem seus filmes seis meses depois da copiagem ser realizada. Lá fora ocorre que depois de seis meses, o cliente passa a pagar ao laboratório para armazenar seu produto. Você vê: lá na Rua Álvaro Ramos nós temos mais de 10 mil negativos guardados, a maior parte estrangeiros, contratipos de filmes estrangeiros que provavelmente não vão mais ser copiados e que os clientes não retiram. Sabe então o que nós vamos fazer? Dentro de pouco tempo, mandaremos uma carta aos clientes dizendo que caso eles não os procurem, os negativos serão inutilizados em um prazo previamente estabelecido. Por outro lado, estamos construindo um cofre de fita especializado em São Paulo, onde nós vamos centralizar o armazenamento de originais. Neste cofre, a umidade e a temperatura serão controladas, mas para isso será preciso cobrar do cliente. O que pretendemos é que os filmes nacionais que os produtores queiram armazenar possam sê-lo em condições pelas quais nós vamos assumir a responsabilidade.

SAS - O que você pensa das ampliações?

VB - Como eu já tinha falado antes contigo, eu sou contra a ampliação como método de trabalho. Ampliação só deve ser feita, na minha opinião, como um recurso extremo. Então, se você necessita trabalhar com um equipamento mais leve, subir em cima de montanha, fazer filmagem submarina, locação lá no meio dos índios etc. - coisas para as quais o equipamento 35 mm se torna muito pesado - então é justo que você faça ampliação. Agora, pessoalmente, eu sou contra a ampliação como método de trabalho em filme posado, como o pessoal está fazendo muito aqui por falta de recursos para fazer em 35mm. Então, está se usando 16 mm com ampliação como método, quando o normal, o ideal, seria filmar em 35mm, se a cena é posada. Essa é minha opinião.

SAS - E quanto à ampliação no caso de reportagem?

VB - Para fazer O País de São Saruê, o Vladimir Carvalho levou 8 meses lá por dentro do Nordeste filmando, e aí está certo. O mesmo caso de Muito Prazer, onde parece que o sincronismo com o Nagra só acontecia se a película era em 16mm. Deve haver alguma razão para se usar a ampliação, para se filmar em 16mm. Eu, se fosse produtor só filmaria em 16mm quando não pudesse filmar em 35mm, não faria isso como método porque a ampliação é uma deformação. Você tem uma película para passar em 35mm, você tem um contratipo, tem um aumento de grão, o que provoca uma diminuição de definição. Ampliação é um recurso, não um método. Agora vamos falar daquele ponto que você tocou: fazer ampliações no estrangeiro. A razão do Zelito Viana fazer a dele lá fora e porque nós não fazemos ampliações com trucagens.

SAS - Para se tornar a coisa mais didática, você poderia explicar melhor o problema?

VB - Por exemplo, se você quiser fazer uma fusão em uma ampliação, o nosso ampliador poderia fazer, mas eu não me arrisco. Inclusive eu vou ser franco contigo, estamos tentando comprar agora um ampliador de janela molhada, janela líquida. Já estou até com cotações: é muito caro, mas estamos pensando. Mas aí já haveria um aumento de preço para os clientes, não por causa do equipamento comprado mas por causa do método a ser usado.

SAS - Qual é o sistema que está funcionando agora?

VB - Você filma em 16mm, em negativo 7247, por exemplo, nós fazemos um master em 16 e desse master em 16mm passa-se para 35mm. Ou então, filma-se em Ektachrome e amplia-se diretamente no negativo. Bem, o melhor resultado fotográfico não é através de nenhuma dessas duas maneiras: é filmando em 7247 e ampliando-se diretamente para um master, o método que usei no filme A Queda e que fotograficamente tinha a melhor qualidade, mas ficava com muita sujeira por falta de janela líquida. Então, aí a gente poderia fazer uma ampliação de master em 35 mm com uma qualidade excepcional e, digamos, com uma qualidade até superior à que o Zelito obteve nos Estados Unidos, porque a qualidade também vem da revelação e a nossa revelação aqui é muito boa. Tanto assim que quando se fez a comparação com o filme Muito Prazer, por meio de um teste numa truca de São Paulo de um outro laboratório e que tinha mais recursos do que a nossa, nós ganhamos disparadamente na qualidade de revelação. Bom, então voltando ao caso de fazer no estrangeiro, o que ocorreu foi que o Zelito estava motivado por duas razões: primeiro, porque ele desejava trucagens na revelação e isso eu não poderia fazer. Ele queria sobrepor o nome das pessoas que estavam falando, coisa que absolutamente não precisava ser feita na ampliação, isso pode ser feito como se fez nos Anos JK, que é um filme todo ampliado de arquivo e onde isso foi feito com banda de legenda e ficou ótimo, copiando com banda dupla. Se quiser fazer truques na ampliação aí eu já não faço. O certo seria fazer o master em 35mm daquelas cenas em que se ia fazer ampliação, fazer as trucagens em 35 e tornar a montar. Mas, além disso, o Zelito levou o filme para os Estados Unidos por outra razão: é que aqui no Brasil o produtor brasileiro é muito mal informado sobre técnicas de laboratório. O produtor brasileiro ouve falar em CRI e acha que CRI é a maior coisa do mundo, e não sabe que no CRI, que quer dizer Color Reversal Intermediate, numa só passagem você vai do negativo para o internegativo. Então o brasileiro é vidrado nesse negócio de CRI: - Quando é que você vai ter CRI?: e eu digo: - Nunca. E sabe porque não vai ser nunca? Porque o CRI ia cair assim que se criasse um método para trabalhar sem ele. Cada vez que você faz o CRI, você arrisca um negativo original.

SAS - Por quê?

VB - Porque toda vez que se faz um negativo original, você perde em qualidade. O CRI é um reversível e você tem que partir do negativo original para obter outro negativo. No processo normal você tem um master de proteção e desse master você faz o contratipo. Por que é que o CRI foi criado? Porque o master color e o contratipo color da Kodak – o chamado 5253 - eram muito ruins. De dois anos para cá, foi lançado um outro com uma qualidade que é competitiva com o CRI. Ele tanto dá para fazer o master como o contratipo, você faz da mesma maneira e com a mesma revelação. O filme Amor Bandido já foi feito segundo este processo, todas as cópias de contratipo ficaram ótimas. Então o que acontece? A existência do CRI era uma decorrência da falta de qualidade desse filme do qual se fazia o master contratipo: no momento em que se criou um filme que dá tanta qualidade quanto o master, o CRI tinha que cair, era o que eu previa. Nesse último Congresso Internacional em que estive presente, pude conversar com outros laboratórios e realmente o CRI está caindo porque é um processo difícil e não há mais razão para se ter esse processo, já que somos obrigados a arriscar um negativo original toda vez que se faz o CRI. Como o master de proteção é automático nos Estados Unidos, desse master eles fazem quantos internegativos desejam. O brasileiro desatualizado sonha com o CRI. Por exemplo, o Luís Carlos Barreto volta e meia pergunta: - Quando é que nos vamos ter CRI? Ele está mal informado. Porque nós fazemos a copiagem dos filmes estrangeiros - a maior parte é feita aqui na Líder - e o que nós verificamos é que cada vez mais o número de CRI está diminuindo, está vindo mais Intermediate.

SAS - Com este novo sistema o custo vai aumentar?

VB - Vai aumentar só porque o master em vez de ser feito em 16mm vai ser feito em 35mm. Vai aumentar pelo menos duas vezes e meia no tamanho do filme. Porque no master feito em 16mm, l00 metros de 16 mm se transformam em 250 m em 35 mm.

SAS - E esse custo industrial é muito caro?

VB - Não, o custo nós não aumentaríamos pelo fato de entrar com equipamento novo. É pura e simplesmente por um problema de tabela de preço. Se no master em 16 mm, vamos dizer, você tem 100 metros dá 250 metros em 35 mm, então você pagaria pelo menos duas vezes e meia a mais se o preço fosse o mesmo do master de 35 e de 16 mm. Esse é que é o problema de aumento do preço. Mas o aumento de qualidade seria enorme. Então não vejo razão para fazer ampliação nos Estados Unidos e creio que vai se ampliar cada vez mais no Brasil.

SAS - A marcação de luz é feita na ampliação?

VB - Não, a ampliação não tem marcação. Quando você faz o master você faz a marcação de luz. Então, quando se amplia, você amplia com uma luz só. Quando você faz negativo, você nunca faz mudança de luz porque não funciona: a marcação de luz e feita em relação à gama de um positivo e não à gama de um negativo. Se você tentar marcar luz para um negativo dá tudo errado. Na questão de corrigir cor a gente corrige o que for possível, o que não tem distorção. Marcação de luz e só cor, cor e luz; eu posso clarear, escurecer, fazer mais verde, mais azul, mais vermelho, mas eu não posso definir nada. Falta de definição, falta de contorno vem do original, não tem nada a ver com o processo de marcação. A marcação vai tentar corrigir pura e simplesmente o que está errado em cor e luz, mais nada. Então, veja bem, quando você pega o Ektachrome, principalmente, você tem recursos limitados, porque o Ektachrome é um filme de câmera, não é um master, então você não pode corrigir inteiramente.

 

Entrevista publicada na revista Filme Cultura 38/39, ago/nov 1981