27 de outubro de 2019
Alcântara, adeus!
Na última terça-feira, dia 22 de outubro, quase 220 milhões de
brasileiros se depararam com uma nova realidade: uma parte de nosso
território, localizada no estado do Maranhão, dentro de mais algum tempo
não mais pertencerá ao país já que – por decisão da Câmara dos
Deputados, que provavelmente será ratificada pelo Senado Federal – a
base aérea de Alcântara deverá ser entregue em breve ao império
norte-americano.
Este ato de extrema traição ao Brasil, um verdadeiro crime de
lesa-pátria contou com o apoio de 329 representantes eleitos pela
população e sofreu a oposição de apenas 86 parlamentares, com uma
abstenção. Nem mesmo todos os deputados filiados aos partidos
tradicionalmente ligados às causas populares votaram contra o projeto
proposto pelo governo títere dos Estados Unidos, que atualmente opera no
Brasil.
Embora os gringos afirmem que a base não será usada para propósitos
militares, é difícil acreditar que um país que descumpriu todos os
contratos que ao longo de sua história assinou, como o que acaba de
romper com o Irã – e neste sentido não há melhores testemunhas do que os
indígenas da América do Norte – venha a respeitar a palavra dada.
Na verdade, a própria palavra talvez não venha a fazer nenhum sentido já
que o território brasileiro está sendo entregue sem nenhuma
contrapartida, talvez com a esperança de que os nossos irmãos do Norte
venham a socorrer – com seus mísseis e canhoneiras – os políticos que
agora lhes prodigalizam esta gentileza quando a população se der conta
que tal gesto de extrema subserviência não lhe trouxe nenhum benefício.
O episódio é representativo do atual estado do nosso país, onde as
elites econômicas pretendem incutir na população – a partir do total
desmantelamento do Estado − o sentimento de que o colonizador é quem
deverá nos prover o progresso, o desenvolvimento e a segurança como
nação. Paradoxalmente, isto ocorre num momento em que o Grande Irmão do
Norte vive dias onde é maior o sentimento entre a sua própria população
de uma iminente decadência econômica e de uma crescente instabilidade
social.
Escorraçados na Síria, de onde estão saindo debaixo de pedradas – como
mostraram as imagens do fim de semana passado e desdenhados no Iraque –
onde lhe foi concedida uma curta permanência para suas tropas em
trânsito −, sob contestação da comunidade internacional por seus atos
ilegais de pilhagem das reservas de petróleo da Síria e na iminência de
uma retirada do Afeganistão após uma permanência de quase 20 anos e
depois de terem dispendido trilhões de dólares sem nenhum sucesso, os
nossos Irmãos do Norte se lembraram agora do velho quintal e, mais uma
vez, voltam os seus tentáculos para a nossa região.
Desgraçadamente, encontram sequazes e lacaios subservientes como o atual
governo, que se dispõe a lhes entregar a riqueza que foi acumulada com
suor dos mais pobres, explorados por um capitalismo que se situa entre
os mais cruéis do planeta.
No passado, um brasileiro – também morador de Alcântara – lutou pela
formação de uma consciência nacional contra a exploração de
colonizadores e escreveu versos que estão entre os mais belos da América
Latina.
Sousândrade (1833-1902), autor de
O guesa errante, um dos mais importantes poemas épicos
latino-americanos, narrou o processo de exploração da nossa terra pelos
colonizadores europeus e foi capaz de produzir uma visão antecipadora –
na condição de antena da raça, um atributo dos poetas segundo Ezra Pound
– da quebra da bolsa de Nova York, em 1929, e do ataque às Torres Gêmeas,
em 2001.
O que diria Sousândrade da possível destruição da cultura quilombola,
instalada desde o século 18 em sua terra de adoção, e de sua ocupação
por forças militares estrangeiras?
Será que alguém
acredita que um dia os gringos nos devolverão a terra que agora vão
ocupar? Alguém se lembra do que fizeram na ilha de Diego Garcia, no
Oceano Índico, onde toda a população foi removida à força no início de
1970 pelos britânicos como parte de um acordo com os Estados Unidos e
enviada para as Ilhas Maurício e Seychelles, localizadas a mais de mil
quilômetros de distância?
Será que os
quilombolas de Alcântara terão o mesmo destino dos antigos habitantes de
Diego Garcia e de seus descendentes que nas últimas quatro décadas vêm
lutando, sem muito sucesso, pelo direito de voltar? Ou acontecerá o mesmo que em Guantánamo, um território de Cuba alugado há mais de 100 anos pelos Estados Unidos em uma operação com seus sequazes cubanos – os Bolsonaros, de então, do Caribe – que hoje tem o valor de menos de um dólar, e que jamais foi devolvido apesar dos insistentes reclamos do governo da ilha? Pior ainda, o
território foi transformado em uma base militar que abriga atualmente
uma prisão onde o governo americano tortura os seus adversários, ao
arrepio de todas as leis internacionais de preservação dos direitos
humanos. Para saber um
pouco mais sobre Sousândrade, convido-os a ler o comentário publicado no
site
e a assistir um clipe inspirado no poema
O guesa errante, que são
apresentados nas suas versões em português, francês, espanhol e inglês:
Sousândrade sabia que escrevia para o futuro. Que sua premonição e talento possam nos iluminar hoje, muito mais do que o fizeram em sua época.
Sérvulo Siqueira
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