25 de outubro de
2014
A
Rede Globo é o campo de concentração da notícia
O
debate presidencial apresentado ontem num cenário montado em São Paulo
representou o último estágio de um processo eleitoral em que os meios de
comunicação do país assumiram o papel explícito de condutores da vontade
popular.
Ao
jogar os dois contendores num palco que se assemelhava a uma arena e
limitar a sua participação a menos de um minuto para as perguntas, um
minuto e meio para a resposta e um minuto para a réplica e a tréplica, a
Rede Globo não fez mais do
que prosseguir no processo de demonização da política que vem sendo
disseminado há algum tempo neste país.
Sob
o pretexto de promover um evento que se destina ao esclarecimento dos
eleitores, o canal de televisão reduziu drasticamente o tempo dos
candidatos e os colocou numa situação em que uma candidata que tem algo
a dizer fica igualada a um outro postulante que apresentou apenas
denúncias sem fundamento.
Toda
esta sordidez não é ocasional porque pretende mostrar de forma
subliminar que ‒ como os políticos são muito parecidos ‒ qualquer
mudança proposta por eles, na verdade, não leva a nada.
Esta
não foi, no entanto, a única fraude produzida pela Rede Globo no debate
da última sexta-feira. A escolha de um grupo de indecisos sorteados ao
vivo para a leitura de perguntas que não haviam formulado e cujo
conteúdo ‒ pelo gaguejar na dicção ‒ pareciam estar conhecendo naquele
momento, caracterizou mais uma farsa que precisa ser desmascarada.
Uma
das eleitoras indecisas que formulou uma pergunta foi parabenizada pela
filha ‒ notória partidária do candidato adversário de Dilma Rousseff ‒
enquanto a presidente foi constrangida pelo diretor de jornalismo da
emissora a não tirar uma foto com outro participante do grupo escolhido.
Tudo
foi preparado para que o canal de televisão pudesse exercer um controle
férreo sobre o que se passava diante da câmera e fora dela, e nada que
não tivesse sido rigorosamente planejado viesse a ocorrer na
transmissão. O Grande Irmão do Jardim Botânico não poderia permitir que
a atual presidente tivesse mais do que 90 segundos para conquistar novas
adesões à sua propostas. Quanto ao suposto candidato que conta com seu
apoio tendencioso pouco importa na verdade, ele é apenas mais um
factóide como ‒ no passado ‒ já o foram Collor, Serra, Marina, etc.
Neste universo concentracionário, um verdeiro panopticon redivivo em que
a emissora de televisão se concede o poder de determinar o papel de
todos os personagens que cria, vale apenas o espetáculo pirotécnico e a
audiência alcançada.
Tanto faz que os contendores jogados no palco se dilacerem publicamente
para o bel prazer dos telespectadores, que os "indecisos" escolhidos a
dedo e programados para ler perguntas não saibam o que estão dizendo ou,
até mesmo, que um atônito apresentador chegue a esquecer o papel que
deveria desempenhar.
O
debate de ontem, sexta-feira dia 24 de outubro, vai entrar para a
história como um dos espetáculos mais macabros já veiculados pela
televisão brasileira, superando até mesmo a sinistra edição do debate
entre Lula e Collor em 1989. Seu formato, a camisa de força em que
envolveu todos os participantes e a mensagem subliminar que deixou
transparecer dão a medida da dimensão de futuro que as elites que regem
este país projetam para o papel do povo brasileiro no processo: um
universo controlado pelo poder dos veículos de comunicação onde até
mesmo o contraditório é instalado na mente do espectador, para que este
aja segundo as regras previamente programadas.
Se a
urna eletrônica é o buraco negro ‒ de onde a luz jamais emerge ‒ da
vontade popular , os meios de comunicação, com a Rede Globo à frente do
grupo, são o campo de concentração da notícia neste país, liquefazendo
toda forma de vida e a transformando numa fumaça que se desmancha no ar.
No
dia de amanhã, não podemos cair nesta cilada.
Sérvulo Siqueira |