23 de outubro de 2014

 

Como sair do buraco negro da urna eletrônica

 

O eleitorado de Dilma, que deu a vitória à sua candidata no 1º turno depois de ter enfrentado o mais variado tipo de jogo sujo já visto num pleito presidencial como denúncias sem a menor credibilidade apresentadas por pessoas destituídas de qualquer honorabilidade; delações premiadas; ofensas do candidato que desafia a atual presidente; cobertura tendenciosa dos meios de comunicação privilegiando apenas um dos lados; falsa propaganda de Aécio Neves alardeando realizações que não podem ser comprovadas; interferência estrangeira por meio de organizações não governamentais e agências de espionagem infiltradas no país e apoio maciço de redes sociais como o Facebook ao candidato de oposição, chega ao final do 2º turno tendo que encarar outros poderosos obstáculos.

Colocada em posição desfavorável no início do horário obrigatório da campanha eleitoral e logo após a morte do candidato Eduardo Campos ‒ quando a mídia montou um factóide na pessoa da candidata Marina Silva ‒ Dilma Rousseff se aproxima da reta final da campanha carregada por um maior favorecimento popular mas enfrenta nos últimos dias a perspectiva de novos golpes sujos de seu opositor, além do espectro ameaçador da urna eletrônica que permanece como um buraco negro insondável que escapa à uma possível comprovação de sua confiabilidade.

País que preservou por muito tempo as características de uma sociedade tradicional, o Brasil tem uma fascinação natural pela modernidade, que persiste em ser apresentada na nossa terra como uma contribuição do estrangeiro que aqui chega ou como um produto de uma cultura mais avançada, geralmente vista como aquela que está situada no além-mar. Como o nosso território é muito extenso e nem sempre é fácil viajar para fora, vivemos numa espécie de domo onde os meios de comunicação nos dão conta do mais recente grito da moda no exterior que nos é oferecido como a face mais avançada do progresso e da conquista tecnológica.

Um processo semelhante também ocorreu com a urna eletrônica, proposta como um avanço ao qual o nosso desejo natural de modernidade não poderia escapar. Mas a verdade, no entanto, é bem outra.

Ao contrário de outros países da América Latina que adotaram a urna eletrônica com o voto impresso, o Brasil se conformou apenas com o registro digital produzido pela pressão do polegar sobre um botão e ‒ embora a princípio as possibilidades de fiscalização tivessem sido exercidas ‒ fomos pouco a pouco nos deixando levar pela confiabilidade da urna eletrônica sem que ela tivesse sido efetivamente testada. A grosso modo, pode-se dizer que votamos como sacamos dinheiro de um caixa eletrônico de banco.

Apesar de termos a tendência de supervalorizar a tecnologia e atribuir a ela um caráter quase infalível, acabamos sendo surpreendidos pela extrema fragilidade das pesquisas destinadas a antecipar os resultados eleitorais do 1º turno, quando candidatos já virtualmente derrotados foram eleitos ou se qualificaram para a segunda rodada enquanto outros tidos como vitoriosos sequer chegaram ao 2º turno.

Hoje já se pergunta o que poderá emergir das urnas eletrônicas no próximo 26 de outubro que ‒ como o verdadeiro buraco negro do espaço cósmico ‒ não são capazes de emitir uma luz ou, no caso, um documento comprobatório que ateste a sua infalibilidade. Será que nos depararemos com um “fantasma na máquina” ‒ como se referiu Arthur Koestler ao comportamento humano ‒ ou teremos uma comprovação factível e verificável do que realmente vai ocorrer no domingo vindouro?

Em qualquer circunstância, chama a atenção que tantos venham aludindo a uma possibilidade de fraude e que muitos outros ainda ‒ na verdade, milhões e milhões de eleitores ‒ comecem a se dar conta de que estão à mercê do resultado que será emitido por uma máquina e cuja certeza não poderá ser de fato claramente verificada.

Os últimos dias da campanha têm exibido grandes manifestações de massa em apoio à candidatura de Dilma Rousseff, ao mesmo tempo em que se percebe que a candidatura de Aécio Neves ‒ movida pelo ódio e pela mentira embora, paradoxalmente, ele atribua estas características à sua adversária ‒ já não consegue galvanizar a paixão popular.

Como há nitidamente dois projetos em disputa: um que pretende transformar este país em uma grande potência e outro que planeja submetê-lo ‒ embora isto não possa explicitado porque provocaria uma imediata repulsão ‒ aos ditames dos Estados Unidos, é necessário que a parcela da população brasileira que rejeita este domínio afirme de forma inequívoca o seu apoio à candidatura de Dilma.

Uma tal demonstração enviaria um sinal que não deixaria a menor dúvida de que uma fraude não seria aceita em hipótese alguma, o que portanto assustaria aqueles que porventura estejam alimentando uma má intenção.

É conhecida a história do referendo revocatório da Venezuela quando a direita do país ‒ se aproveitando de um dispositivo da constituição bolivariana que estabelecia que um presidente poderia ser submetido a um julgamento popular no meio do seu mandato ‒ acreditou que poderia encurtar o governo de Hugo Chávez. Sabe-se que o ex-presidente Jimmy Carter, ao ver do quarto do hotel onde se encontrava que a população pobre de Caracas descia em massa das favelas para apoiar o seu presidente, teria ligado para os Estados Unidos e declarado:

‒ Chávez vai ganhar. Toda a favela está descendo para votar!

O próximo domingo, dia 26, será o dia em que os “desinformados” não só do nordeste mas de todo o Brasil terão a oportunidade de dizer àqueles ‒ que, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nada fizeram pela população mais humilde deste país ‒ que sabem o que querem, além de dar algumas lições de democracia e exigir que respeitem a legítima vontade popular.

 

               Sérvulo Siqueira