19 de janeiro de 2011

 

Teresópolis: depois da tragédia, chegam os abutres...

 

Desde o início, ficou evidente o caráter de classe das chuvas torrenciais que se abateram sobre várias partes do País, uma vez que destruíram - quase que exclusivamente - os lugares mais pobres. É muito doloroso ver cenas em que milhares de famílias deambulam com o que restou de suas casas nas costas e outras em que a água chega até alturas inimagináveis, enquanto seres em estado de total desamparo vêm seus pertences flutuar ou são arrastados com eles sem que possam fazer nada.

Neste momento, são constantes os chamados à solidariedade e os apelos governamentais para que aqueles que sobreviveram compartilhem o pouco que têm com os que tudo perderam, ao mesmo tempo em que as nossa elites econômicas continuam a desfrutar de seu alto padrão de vida e prosseguem explorando – por meio do sistema capitalista de produção – a dura vida da classe trabalhadora do País.

Diante de toda a tragédia, que hoje já cobra a vida de um milhar de pessoas na Região Serrana do Estado do Rio, soa clamoroso que políticos incompetentes e corruptos responsabilizem a natureza, atribuindo-lhe a personificação de uma entidade dotada de ira e vingança e omitam a menção de que é a má distribuição de renda da nossa sociedade que faz com que as chuvas intensas de verão arrastem as pedras e a lama que soterra as casas, matem as pessoas e varram ruas e bairros do mapa, preferencialmente em áreas habitadas pelas maiores vítimas de nosso ignóbil sistema econômico e social.  

Foram necessários menos de sete dias para que os abutres e os vampiros começassem a chegar – na verdade, alguns sempre estiveram por aqui – uns disfarçados e sorrateiros e outros com alarde, trafegando em carros oficiais e ostentando contestáveis imunidades. Em meio a tanta dor e comoção, chegaram até a se cumprimentar em público com largos sorrisos, no momento em celebravam acordos espúrios e pouco democráticos

Procuram se prevalecer, é claro, da pouca vigilância da população – mergulhada em mais um dramático processo da sua contínua tragédia – e certamente se apóiam na conivência e cumplicidade dos meios de comunicação, propriedade de políticos afeitos a benesses do poder.  

Por trás das cortinas, concertam alianças para se aproveitar da terrível situação da população e programam obras de salvação popular da qual somente se pode esperar – diante do retrospecto que apresentam seus currículos – que beneficiarão a si próprios. Rejeitados pelos seus eleitores de outrora e desprezados pelos seus concidadãos, assumem agora uma aura beatífica, manifestam um amor aos mais pobres que nunca traduziram em atos e medidas, abraçam os aflitos e carregam crianças como se estivessem em campanha enquanto – por trás do cenário – tramam consórcios pouco transparentes em que se outorgam poderes para realizar negócios nada republicanos, valendo-se da atmosfera traumática e pós-catastrófica de suas cidades, por cujo infortúnio são os maiores responsáveis.

Na frente das câmeras, demonstram muito empenho em contar os mortos, esquecendo-se – como lembrava justamente um das vítimas de todo este processo – de “cuidar dos que ainda estão vivos”. Ao clamor e justa indignação dos sobreviventes, preferem certamente o silêncio dos que já se foram.

Com o tempo, chegarão outros abutres ainda maiores como os grandes consórcios, o Banco Mundial, a Fundação Bill Clinton – já “doing business” no Haiti, outro país flagelado. Há um provérbio africano que diz que “quando o caçador é branco, o coração é negro”. No nosso modelo neoliberal vigente, se as tragédias são sempre socializadas e envolvem a participação intensa e generosa da população, a arrecadação de donativos e o trabalho incansável dos voluntários, os negócios são privatizados e beneficiam invariavelmente quem fica à espreita para tirar proveito do infortúnio alheio, ou seja, os políticos oportunistas e sem escrúpulos e os empresários gananciosos. 

 

Sérvulo Siqueira