de novembro de 2018

 

No Brasil não apenas as notícias são falsas, os governos também...

 

Na noite de sábado do último dia 27 de outubro, poucas horas antes da abertura das urnas para a eleição presidencial no Brasil, parecia que a realidade tinha se invertido radicalmente.

De algoz do PT e principal julgador do processo do mensalão, além de responsável direto pela prisão de José Dirceu e de outros dirigentes petistas, o ex-ministro Joaquim Barbosa havia se convertido em aliado ao formalizar a sua adesão tardia à candidatura de Fernando Haddad. Simultaneamente e de forma paradoxal, Ciro Gomes – com sua posição de se abster de anunciar o voto – subitamente se convertera em aliado do fascismo e era mostrado como um “coroné” do Ceará.

Muitos dos comentários eram publicados nos antigos blogs chapa branca dos tempos de Lula e Dilma, escritos por colaboradores que naquele tempo também apresentavam programas nas televisões públicas ou trabalhavam em órgãos de assessoria e comunicação do governo, haviam sido beneficiados por generosas aposentadorias por terem lutado contra o regime militar, enfim, que de alguma maneira haviam desfrutado de uma “boquinha” que o Estado graciosamente lhes proporcionou.

Em seus artigos naqueles tempos, esses comentaristas entoavam loas a Lula com palavras tais como:

─ Lula é o maior presidente da história do Brasil, o mais popular líder político que a nação já conheceu.

Num país sem memória como o nosso, essas afirmações passavam batidas e raramente eram contestadas mas os documentos históricos e as testemunhas oculares registram que, em 1954, o caixão do ex-presidente foi levado nos ombros da população do Palácio do Catete até o Cemitério São João Batista, percorrendo assim uma distância de vários quilômetros entre os dois locais. Ao que se sabe, ao longo de toda a nossa história, nenhum outro grande líder político ou mesmo uma figura igualmente popular recebeu uma homenagem tão grande em suas exéquias.

Da mesma forma, muitas das conquistas sociais trazidas por Getúlio Vargas há mais de 50 anos perduram até hoje enquanto as “benesses” de Lula e Dilma parecem se dissolver agora ao sabor de um sopro.

Como se vê, os apparatchik do Partido dos Trabalhadores, que já haviam se revelado incapazes de analisar a conduta que imprimiram ao governo durante os quase 14 anos em que estiveram no poder, e após haver perdido grande parte do apoio popular de que desfrutaram durante algum tempo, se mostram incapazes de liderar o movimento de oposição ao novo governo – chamado pelo professor Wanderley Guilherme dos Santos de “governo de ocupação” − que tomará posse em janeiro do ano que vem.

Por confundir causa e efeito, os apparatchik e sua entourage persistem em considerar que a causa de sua derrota foram as fake news do WhatsApp quando, na verdade, elas apenas se alimentaram da crescente perda de prestígio do PT, acentuada desde as manifestações populares de 2013, e que se agravaram ainda mais com a abertura das investigações da Lava Jato e da demonização do partido promovida a partir do massacre dos órgãos de comunicação do país comandados pela Rede Globo. Ao se inserirem na campanha eleitoral de 2018, as notícias falsas propagadas no WhatsApp já encontraram um caldo de cultura muito favorável ao candidato de extrema-direita, uma vez que o PT havia perdido quase todo o prestígio que um dia tivera entre a população.

Como os governos de Lula e Dilma não possuíram a clarividência de criar órgãos de informação que divulgassem os seus projetos – característica que não faltou a Getúlio, quando fundou com Samuel Wainer o jornal Última Hora – o pensamento único dos meios de comunicação do Brasil, um consórcio de poucas famílias que pratica um dos piores jornalismos do planeta, prevaleceu sobre os corações e mentes da opinião pública no Brasil e a suposta esquerda no poder não teve quem se dispusesse a defendê-la.

Por outro lado se poderia perguntar o que é que existia para ser defendido, uma vez que à aquela altura o governo Dilma Rousseff havia tomado um rumo completamente diferente das propostas originais do Partido dos Trabalhadores na sua fundação e chegava até a adotar a proposta de seu adversário, recém-derrotado, ao convidar um diretor do Bradesco, hoje funcionário do Banco Mundial, para seu Ministro da Fazenda. Por fim, as massas não saíram às ruas para defender o mandato de Dilma, a Bastilha não caiu e o ex-presidente continuou preso em Curitiba.

Todas estas posições− que os apparatchik petistas de hoje demonstram não saber compreender – eram percebidas pela população, assim como a prepotência de Lula ao insistir em usar o seu enorme prestígio popular para impor Dilma Rousseff como sucessora e fazê-la Presidente de República, mesmo quando havia outros candidatos mais qualificados no próprio PT, como o ex-ministro Tarso Genro, e também se sabia que ela não tinha capacidade para ocupar um posto tão difícil.

O mesmo voltaria a ocorrer em 2018 com a indicação de Fernando Haddad, um professor universitário que havia acabado de ser derrotado por um lobista no primeiro turno das eleições para prefeito de São Paulo. Neste episódio recente ficou ainda mais clara a postura personalista de Lula da Silva que – ao sabotar deliberadamente a candidatura de seu antigo aliado, Ciro Gomes – se comportou como um verdadeiro capo mafioso.

O fato de que esta conduta claramente inescrupulosa não passou despercebida da população pode ser aferido pelas pesquisas de opinião pública que – se antes indicavam uma simpatia da população em relação ao ex-presidente, em grande parte decorrente da ausência de provas para a sua condenação – hoje apontam que muitos já pensam que ele deve continuar preso.

O autoritarismo parece ser uma doença que contamina nos dias de hoje tanto a velha direita ressurgente quanto a esquerda, que se encontra em clara decadência em todo o mundo. Uma honesta e séria autocrítica – que não precisaria ter as mesmas características dos revisionistas do antigo Partidão – teria a obrigação de levar em conta por que os neologismos esquerdopata (esquerda+ psicopata) e esquerdalha (esquerda+canalha) se tornaram expressões de uso corrente no país.

O que se observa em todo o mundo é que – quando se instala no poder – a chamada esquerda comete os mesmos erros que a direita que tanto havia criticado, envolve-se em corrupção e adota posturas elitistas ou extremamente populistas como o vale-cultura do governo Dilma, que era usado para comprar as revista Caras e Quem. Por outro lado, a profusão de universidades públicas e privadas não contribuiu para a evolução cultural dos estudantes já que o baixo nível do corpo docente não tem condições de oferecer uma preparação adequada aos alunos.

Afinal, o que aconteceu com a esquerda no Brasil, liderada pelo Partido dos Trabalhadores? Por que o PT se recusa a fazer uma avaliação de seus erros, de suas promessas não cumpridas, de suas políticas de favorecimento do grande capital e das espúrias associações com ladrões públicos?

Ao mesmo tempo, é ilusório e falacioso dizer que o partido obteve quase 45% dos votos no segundo turno das eleições de 2018, uma vez que os votos que Haddad recebeu representaram a expressão da posição política de toda a oposição do país – aí incluídos os votos dos partidários de Ciro Gomes, Guilherme Boulos e de outros candidatos – ao governo de extrema-direita que vai se instalar no Brasil no início do próximo ano.

Como já foi dito inúmeras vezes após a proclamação dos resultados finais, o único movimento verdadeiramente de massas existente no Brasil no momento atual é o antipetismo, a rejeição de uma política populista que produziu apenas resultados de curto prazo. Neste sentido, outros partidos de oposição já estão se organizando em uma frente que não deve conter o PT como partido hegemônico.

Se, ainda assim, o Partido dos Trabalhadores – que há muito tempo não é mais um partido de esquerda e não pode mais se orgulhar de ser um partido de operários − insistir em prevalecer sobre o espectro da oposição no Brasil sem fazer uma profunda avaliação dos erros cometidos nos últimos 16 anos, especialmente desde a tristemente célebre Carta aos Brasileiros, haverá o risco de que a sua teimosia e obstinação pelo poder contamine toda a oposição no Brasil e comprometa o futuro do país.

 

Sérvulo Siqueira