Numa nave espacial: para além do cotidiano

 

Steven Spielberg. Contatos imediatos do terceiro grau. Ficção científica. Tradução de Vera Neves Pedroso. Editora Record. 164 pp. Cr$58.

 

"...um dos motivos mais poderosos que levaram o homem em direção à arte e à ciência foi o desejo de escapar ao cotidiano". (Albert Einstein)

 

O que torna as histórias de ficção científica – que relatam encontros com seres azuis, verdes, vermelhos, um monte de braços e pernas, grandes cabeças ou sem forma alguma –, o que faz estes contatos tão fascinantes quando contados?

Para Arthur Clarke, cientista e escritor de quase 50 livros de ensaio e ficção científica que venderam 20 milhões de exemplares em mais de 30 línguas, a ficção científica "serve à saúde mental da humanidade: com ela temos a impressão de que o futuro pode ser melhor do que o passado, de que podemos fazer algo com relação ao futuro, não precisamos esperá-lo até que ele chegue e nos destrua". Uma esperança e uma antecipação em relação ao futuro. Mas e os seres extraterrestres, o que nos faz pensar que eles terão as formas que lhes dão os romances e porque é tão necessária a prova da sua existência?

Na opinião de Clarke, uma resposta positiva nos daria a sensação de que "não estamos mais sozinhos em um universo aparentemente hostil e o mais importante seria, talvez, o conhecimento de que outros seres haviam superado com segurança suas crises nucleares, o que renovaria as esperanças quanto a nosso próprio futuro": E ainda: "Isto ajudaria a dissipar as atuais inquietantes dúvidas sobre o valor da sobrevivência da inteligência, pois até agora não temos nenhuma prova definida de que cérebro demais, assim como armamentos demais, não são apenas um desses lamentáveis acidentes evolucionários que levam à aniquilação de seus possuidores".

"A Natureza terminara e o Homem tomara conta" escreve Steven Spielberg ou os seus ghost-writers, "no momento em que, na montanha Torre do Diabo, se prepara a recepção à chegada das colossais naves espaciais".  De acordo com a narrativa, "no estado de Wyoming, depois de mais de 30 anos de registros nos arquivos da NASA, unidades do Exército e da Guarda Nacional americana supervisionavam a evacuação da região onde grupos de técnicos e cientistas se preparavam secretamente para fazer o primeiro contato com seres extraterrestres".

O livro pode ser lido como um roteiro do filme, do qual representa um evidente esquema de preparação publicitária. Urdindo uma trama onde se mesclam o policial e o science-fiction, narrados numa estrutura da montagem paralela herdada do cinema de Griffith, Spielberg consegue um relato que atinge a autonomia de uma obra literária.

"Veja o filme, leia o livro" é o novo "ersatz" mercadológico que coloca as produções da cultura de massa num mesmo feixe. Junto com Guerra nas estrelas, o filme Contatos imediatos do terceiro grau deflagrou uma nova tendência do cinema que dá forma a imagens do nosso inconsciente, às viagens interplanetárias e aos encontros com discos voadores. Mesmo caracterizado como típico produto de consumo, de leitura fácil e digestiva, impossível deixar de nos identificar com o menino Barry, carregado através de uma luz que passa pela fresta da porta ou pelo engenheiro Roy Neary, que embarca com outros voluntários na grande nave interespacial. Eles realizam o sonho humano de transcendência do cotidiano.

Sérvulo Siqueira

 

Resenha publicada no jornal O Globo em 26 de março de 1978