A década de 1960 vista do interior de Minas
Paulo Amador. Os Leões estão cercados. Novela. Editora Ática. 143 págs. Cr$80.
"O que você poderia dizer a seus filhos sobre o
tempo em que John Kennedy era um ser humano e não o nome de um
aeroporto?" – perguntava um comentarista americano na introdução de uma
coletânea de documentos da década de 60. Circunscrevendo seu campo a uma
cidade do interior de Minas Gerais, Paulo Amador reconstrói a atmosfera
nos trópicos durante esta época, quando um grupo de adolescentes começa
a entrar duramente na idade adulta. Sem pretender dar ao seu relato um
caráter autobiográfico ou o tom de nostalgia, mesmo porque sua narrativa
é triste e sem esperanças, o autor retorna do presente ao passado para
demonstrar que os sonhos de seu personagem, se ele os tinha, estão
irremediavelmente perdidos. Como perdida estava Diamantina nos idos de
60 e por certo ainda continua, junto com Thadeu e Arnaldo e outros
personagens, reais ou imaginários, que lá ficaram.
Na verdade, para Paulo Amador, "cercados os leões", tudo se perdeu. Nem
mesmo Chico ou Christian se salvam. Enquanto Chico toma um ônibus e se
perde no mundo, Christian, irmão de Andrew – ambos filhos de um escocês
falido, um jovem poeta – é "levado de trem para fora da cidade em um
vagão especial junto com outros homens". Quanto aos outros: Arnaldo,
depois de flertar com a morte, termina por se suicidar; Thadeu, que
queria "ver onde terminava o asfalto", mesmo casado e pai de um filho
retoma, após o sonho da fuga, as farras na zona boêmia. O personagem
central, eventual narrador na primeira pessoa, confessa: "Perdi o cargo
de professor de literatura, parei de beber uns dias, mas logo recomecei
as confusões". Ao final, o cerco aos leões se completa e, como conclui o
narrador, "a não ser que outros de nós resolvêssemos deixar a cidade,
haveríamos de ter sempre a sensação de um cerco, uma sensação que
começara a nos atormentar quando a lembrança dos que se foram já não
inquietava tanto como no início, e nossas vidas (não exatamente as vidas
que havíamos planejado) começaram a tomar os contornos definitivos".
Sérvulo Siqueira
Resenha publicada no jornal O Globo em 17 de setembro de 1978. |