31 de maio de 2015
A bombástica e sensacionalista operação da polícia
americana num hotel de Zurique não tem nenhuma relação com seus
apregoados propósitos: é apenas mais uma cortina de fumaça destinada
desrespeitar o direito internacional e mostrar quem é que manda no
mundo, ao mesmo tempo em que tenta impedir que seu aliado Israel seja
expulso da Fédération Internationale de Football Association (FIFA) por
atitudes antiesportivas.
Por uma incrível coincidência, no mesmo momento em
que vários agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI) americano
chegaram ao hotel para realizar as prisões de vários dirigentes da
Federação – às 6 horas da manhã – no local já se encontrava uma equipe
do jornal The New York Times
para registrar a ocorrência.
Os velhos e novos idiotas de plantão, a imprensa
amestrada e a crônica esportiva brasileira – majoritariamente alienada
ou claramente de direita – aplaudiram mais este rompante dos justiceiros
americanos, que estariam desta vez colocando ordem numa influente
organização do planeta.
A verdade, porém, é bem outra. Com base em
procedimentos que levaram à punição temporária da África do Sul em 1960
e sua posterior expulsão em 1976, o 65º Congresso Mundial da FIFA
deveria considerar uma suspensão ou a ejeção de Israel do quadro de
membros da entidade por denúncias de que “restringe a movimentação de
jogadores entre a Margem Ocidental e Gaza” assim como se serve de
medidas de segurança “para manter uma política racista e de
apartheid”, conforme relatório
apresentado no Congresso.
Segundo o representante da Palestina na entidade, a
situação na Margem Ocidental hoje é “pior do que a existente na África
do Sul nos anos 1960 porque grupos de direita e extremistas em Israel
querem apagar (delete, em
inglês) a Palestina”.
Assim como se dispuseram a fazer em relação às
Olimpíadas de Inverno de Sochi, no ano passado, os americanos têm também
o propósito de sabotar a realização da próxima Copa do Mundo na Rússia
em 2018, quando os bilhões de aficionados do futebol poderão desfrutar
de uma informação sobre o maior país do mundo certamente muito mais
elaborada do que a fornecida hoje pela imprensa comandada pelos ianques.
Por trás ainda desta atitude tão intempestiva há uma
outra razão que tem a ver com os interesses globais de dominação dos
gringos. Apresentando-se como o moralizador de uma organização tão
poderosa como a FIFA, entidade que congrega um número de países superior
aos membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e que a cada quatro
anos realiza um evento que é visto por bilhões de telespectadores em
todo o planeta, os Estados Unidos pretenderam outrossim recuperar, ao
menos em parte, a credibilidade que vêm perdendo há algum tempo.
Como a FIFA é de fato uma organização altamente
corrupta – e disto nós, brasileiros, que assistimos à mais recente Copa
do Mundo, realizada por aqui, podemos dar conta com detalhes – os
ianques acreditavam que com uma operação cinematográfica no estilo dos
filmes mais banais de Hollywood estariam fazendo uma bela jogada para a
plateia e demonstrando seu compromisso inquebrantável com a moralidade e
os bons costumes.
Por certo, alimentariam a ilusão de que um
raid moralista tão retumbante
tivesse o condão de levar à derrota o velho chefão da FIFA, Joseph
Blatter, na sua recondução à presidência e para tanto chegaram até a
apresentar um candidato na última hora na pessoa de um príncipe
jordaniano, que terminou renunciando no final.
Muitos analistas questionaram a verdadeira natureza
este ímpeto moralizador dos americanos e por que afinal eles não levam
essa disposição até a sua própria sociedade, hoje praguejada por toda a
sorte de denúncias de corrupção, que envolvem desde os membros do
Congresso, os especuladores de Wall Street e a privilegiada casta da
Justiça.
Embora tenham perdido a primeira batalha com a
reeleição de Blatter e a confirmação da Rússia como país sede da próxima
Copa de Futebol, os ianques ainda não foram completamente derrotados em
sua tentativa de golpe de estado contra a FIFA porque a sua espada
continuará a pesar sobre a entidade e, ao final, com a velha
subserviência da Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas, a proposta de
expulsão do estado de Israel foi retirada da agenda e será objeto de uma
nova discussão.
É claro que o nosso
Bananão, o glorioso país do futebol de outras eras, não poderia
ficar fora desta barafunda. Desde o instante em que os
cowboys americanos entraram em cena em Zurique, a nossa
mídia não fala de outra coisa
e, naturalmente, não tardaram a aparecer os aproveitadores.
Entre todos eles, aquele que mais se destacou foi
Romário. Antigo jogador de futebol que se caracterizou pelo seu
oportunismo na busca do gol, Romário não parece ter perdido esses
predicados ao mostrar também ser um político bastante oportunista, e não
perdeu tempo em protocolar a criação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) sobre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que
também teve um de seus diretores preso na operação.
O futebol é o esporte em que nós brasileiros mais nos
destacamos e muitos de seus melhores protagonistas –
Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Romeu, Perácio, Zizinho, Fausto,
Heleno de Freitas, Nilton e Djalma Santos, Zito, Didi e Ademir da Guia,
Gérson e Clodoaldo, Tostão, Rivelino e Paulo César, sem falar nos
excepcionais Garrincha e Pelé – elevaram a sua prática à condição de verdadeira
arte. No entanto, esse talento foi lamentalmente explorado desde a
introdução do esporte em nosso país por todo o tipo de aproveitadores,
os cartolas do futebol, que se
serviram do que temos de melhor para seus propósitos mesquinhos e vis.
Nos últimos anos, aliados à Rede Globo de Televisão
que passou a deter os direitos de transmissão dos principais eventos do
esporte no Brasil, eles levaram o nosso futebol à falência econômica e
técnica, que culminou na sua mais espetacular
débacle, ocorrida no dia 8 de
julho de 2014.
Por anos o esforço dos nossos melhores analistas,
sobretudo o empenho do jornalista Juca Kfouri, não conseguiu uma
condenação sequer para todo o imenso oceano de corrupção produzido pela
associação entre os nossos cartolas, empresários sem escrúpulos e
grandes multinacionais do esporte.
Subitamente, apenas porque os americanos
caprichosamente desejam fazer
bulliyng na Rússia e buscam encontrar um lado fraco no adversário,
uma CPI é formada às pressas para fazer uma justiça que sabemos não
chegará tão cedo.
Terminará também em
pizza?
Sérvulo
Siqueira |