18 de março de 2012
 


O ator como político: George Clooney, cabo eleitoral de Obama?

 

Nascido como um meio de comunicação de massas, o cinema sempre esteve ligado ao poder. 

O celebrado slogan There is no business like show-business (Não há melhor negócio do que o entretenimento) é apenas uma das expressões que caracterizam esta relação de mútua sedução. 

Em Hollywood, onde essa usina de sonhos encontrou a melhor forma de expressão, as estrelas – verdadeiros deuses do Olimpo – aspiram à beleza e à fama eternas, cercadas por muitos e sofisticados objetos de consumo. 

Se o cinema anseia pela beleza e o sucesso, necessita ainda mais do poder político. 

Hollywood jamais teria alcançado a capacidade de manipulação de corações e mentes que atingiu se não tivesse concordado em fazer imensas concessões a Washington em troca de apoio, contratos vantajosos e associações nem sempre claras e transparentes. 

Ainda na década de 30 do século passado, enquanto os Estados Unidos viviam uma terrível recessão com uma alta taxa de desemprego e criminalidade, seus filmes vendiam ao mundo uma imagem glamurizada, asséptica e irreal da sociedade americana. 

A política dos gêneros (musicais, filmes de faroeste e de aventura, comédias de costume, policiais e dramas psicológicos) baseada na diversificação e calcada na estrutura fordista de produção industrial fragmentava a visão da realidade e camuflava uma abordagem mais direta da sociedade. Por outro lado, uma rígida censura controlava qualquer arroubo de um diretor mais criativo. 

Mais tarde, no início da década de 50, um membro do Senado dos Estados Unidos se encarregou de ceifar os talentos daqueles que pudessem demonstrar a menor simpatia pela União Soviética, um aliado decisivo na luta contra as nações do Eixo. 

Sem esquecer as célebres relações de John e Robert Kennedy com Marilyn Monroe nos anos 60 (Happy birthday, Mr. President!), foi na década de 70 que Washington desencavou um ator de terceira categoria de Hollywood, antigo informante do Comitê McCarthy, para a missão de substituir um presidente da República que havia caído em desgraça. 

Desde o período de Ronald Reagan, um dos governos mais retrógrados da história americana, tentativas foram feitas para reeditar a sua proeza, uma das mais recentes coroada de total fracasso quando George W. Bushinho acreditou que a alardeada força física de Arnold Schwarzenegger poderia compensar a sua falta de visão e espírito público. 

O último ato dessa commedia dell’arte política parece ter sido encenado na semana passada, quando o ator e diretor George Clooney, que já prestou relevantes serviços à política imperialista americana no Sudão, foi preso por participar de um protesto. Sob o registro de inúmeras câmeras, que documentaram todos os seus passos, Clooney – que dias atrás tinha sido convidado para um grande jantar oferecido por Obama ao primeiro-ministro inglês na Casa Branca – pagou uma pequena fiança e foi libertado. 

O ato poderia parecer corajoso e até libertário se não tivesse ocorrido poucos dias após a promulgação de uma lei que criminaliza os protestos políticos, assinada exatamente por Barack Obama, de quem o ator é um notório partidário. 

Considera-se que a lei, conhecida como Trespass Bill, viola os direitos de reunião e de protesto garantidos pela Constituição. Ao ultrapassar uma área guarnecida pelo Serviço Secreto americano, o ator infringiu o novo dispositivo legal e foi preso. 

Todo o acontecimento tem o claro sabor de um script apropriado, concebido em Washington e encenado por Hollywood. Em plena campanha eleitoral, o presidente afro-americano dos Estados Unidos deve ter tramado com o amigo e partidário uma estratégia destinada a salvar a sua aparência e resguardar a dupla face de ambos: o presidente demonstra que é um verdadeiro democrata e comprova uma vez mais o lema americano de que a lei é para todos – até para os famosos e amigos. Ao ator, sobre quem já cai uma pecha de agente especial da política imperial dos Estados Unidos no coração da África, resta a aura benfazeja de homem destemido, coerente e defensor dos direitos humanos, um epíteto hoje mais do que nunca necessário para acobertar a sua pretensão de galã da fita.

 

Sérvulo Siqueira