A Mulher de Frankenstein

 

Na tela do cinema Rio – em uma projeção que esteve fora de foco durante toda a sessão mais uma versão da história criada por Mary Shelley. Neste Lady Frankenstein – argumento de Edward di Lorenzo e direção de Mel Wells – os elementos ficcionais estão mais uma vez desfigurados e adaptados aos apelos de sexo e violência que predominam atualmente no cinema comercial de fácil consumo.

Enquanto o Barão Frankenstein aspira ser reconhecido nos círculos científicos, sua filha deseja encontrar no homem que ama a fusão de um cérebro brilhante com um corpo eugênico. Tais intentos de Tânia a filha do Barão, representada por Rosalba Neri – parecem corresponder à uma alteração do eixo anedótico da novela de Mary Shelley, que tendem o para uma perspectiva ligeiramente feminista. Agora, Tânia – já formada médica e cirurgiã – não mais se satisfaz em aguardar em seu quarto os resultados das experiências do pai. Com a morte do Barão, assume seu lugar e realiza o louco desejo de transplantar o cérebro brilhante do assistente de seu pai no corpo do empregado Thomas e enfim encontrar o homem que sonha.

Apesar destes clichês, a história poderia comportar um maior aprofundamento. Entretanto, o filme prefere explorar os elementos sensacionalistas do argumento. Como o Barão Frankenstein, aparece Joseph Cotten, apenas uma velha estampa de antigos bons filmes. E Rosalba Neri como a filha do Barão – oferece o pretexto para o apelo erótico que justifica comercialmente a obra. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 17 de junho de 1977

 

A travessia de Cassandra

 

Uma história de aventuras da década de 70 contada por Louis Pauwels, Jacques Bergier & Arthur Hailey. Assim parece este estranho coquetel urdido por George Pan Cosmatos e seus roteiristas com visíveis propósitos comerciais. Uma introdução - que serve de abertura para o filme estabelece o elemento de atualidade da trama: três jovens invadem a sede da Organização Mundial de Saúde e tentam acionar uma bomba; dois são mortos e o outro – contaminado por uma bactéria de pneumonia – consegue fugir num trem que parte de Zurich para Estocolmo.

Nenhuma explicação é dada para o comportamento dos ativistas a não ser os lamurientos comentários do Coronel Mackenzie/Burt Lancaster. Na verdade, ao filme não interessa a discussão dos problemas do terrorismo na Europa, mas apenas a combinação dos ingredientes externos do seu melting-pot político passado e presente. Reunidos ao pânico de uma epidemia e à consumação da profecia de Cassandra, teríamos então uma variante dos filmes de catástrofe, modismo cinematográfico que como os anteriores filmes históricos, spaguetti westerns e de sexo e  violência, infesta hoje o cinema de espetáculo.

Por outro lado, há os atores e as estrelas. Sua chegada à gare de onde partirá a composição parece um verdadeiro desfile de astros à porta do Chinese Theatre em L.A. O uso de filtros e de uma rebuscada maquiagem não conseguem esconder em Ava Gardner e Sophia Loren os anos vividos. Certamente por isto, o filme não consegue convencer, nem mesmo ao nível da verossimilhança. Em muitas ocasiões, a falta de jeito dos atores e personagens provoca o riso da platéia. É verdade que por vezes uma hábil articulação da linguagem herdeira da velha montagem de atrações de Abel Gance, consegue estabelecer um nível de empatia do publico com a narrativa

Em meio a tudo isto, Cassandra crossing estampa belas paisagens. cumprindo uma de suas funções de filme "cartão-postal" – espécie de guia turístico da Europa com suas montanhas cobertas de neve. E expõe alguns pontos de vista, como o emitido sobre o comportamento do Coronel Mackenzie, um homem duro e necessário que, mesmo à custa do sacrifício de vidas, cumpre o seu dever. Articulando seu discurso como num vasto painel cujas tintas já estão esmaecidas, George Pan Cosmatos demonstra que não aprendeu a lição de Samuel Fuller, se é que realmente chegou a tentar, de que o cinema "é um campo de batalha, ódio. amor, em uma palavra, emoção". Sua emoção é a do discurso calcado na técnica, onde o ser humano é apenas o pano de fundo e a matéria-prima para a manipulação do espetáculo. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 26 de outubro de 1977

 

Drácula versus Frankenstein

 

Pela enésima vez, repete-se a interpretação da ficção criada por Mary Shelley sobre o monstro fabricado pelo Dr. Frankenstein. Ao longo dos 83 anos da história do cinema, esse elaborado produto da criação humana serviu às mais variadas proposições e se tornou pretexto para os interesses mais diversos, além de ter celebrizado atores e atrizes como Boris Karloff, Bela Lugosi, Christopher Lee, entre outros. Há pouco tempo, por exemplo, sua trama dava motivo a que Mel Brooks realizasse uma sátira que recapturava a história sob um ângulo renovado e enriquecido pela perspectiva criadora e inventiva do humor em Jovem Frankenstein.   

No filme em questão, que funde de forma grotesca a história de Frankenstein com a figura sinistra do Conde Drácula, os propósitos parecem se caracterizar pelo mais convencional comercialismo, reforçado por um amadorismo de nível igualmente rasteiro. O espectador é tentado a fixar sua atenção naquilo que convencionalmente se chamaria a representação dos atores, mas que no filme se transforma num conjunto de esgares, caretas, tiques nervosos e macaquices. O cientista louco, personificado por um certo Dr. Durea, é protagonizado por um senhor de meia-idade, cuja interpretação caso não se tratasse de assunto considerado sério e muitas vezes sinistro – mereceria grandes gargalhadas. Seus tiques, como a maneira de falar, o jeito da boca e o som que é emitido levam qualquer empostação mais grave ao ridículo total.

Pela escolha dos atores, onde aparece de forma deslocada Lon Chaney, da trama que revela as intenções do sensacionalismo do sexo e da violência, do amadorismo da direção de Al Adamson, Drácula versus Frankenstein, em cartaz no cinema Plaza, só pode ser considerado uma usurpação do nosso tempo e de um espaço cultural que poderia ser ocupado por produtos de melhor qualidade. (SAS)

 

Publicada no jornal O Globo em 30 de março de 1978

 

O carro, a máquina do diabo

 

Enquanto Steven Spielberg discutia criticamente a paranóia de um vendedor ambulante da classe media americana, com a metáfora da perseguição de um caminhão a um carro em Encurralado, The car, de Elliot Silverstein, não vai além de uma variante policial dos filmes de catástrofe. Se o personagem de Spielberg sofria de má consciência — resultado de uma vida excessivamente tranqüila e uma limitada perspectiva de vida os personagens de O carro, a máquina do diabo parecem afetados por uma grave lassidão moral.

Mais propriamente, pode-se falar de um descentramento da narrativa: os verdadeiros personagens do filme – aqueles sobre os quais se concentra nossa atenção – são a máquina, o personagem principal, e os técnicos em efeitos especiais, seus criadores e controladores. Repete-se aqui o fenômeno mais corrente no cinema de espetáculo contemporâneo: a transformação desta linguagem em campo de prova para os produtos da mais avançada tecnologia industrial, desde os gadgets –  simples truques sem aplicação prática – até os mais sofisticados inventos: o raio laser, a holografia,  os diálogos autônomos entre servomecanismos, etc.

Expressando as relações homem-máquina e máquina-máquina, o cinema de espetáculo dirigido por produtores que não querem correr grandes riscos – tem chegado às mais delirantes ficções: um filme classe B recente, The demon seed, conta a história do mais avançado computador já construído que fecunda a esposa de um cientista, representada por Julie Christie. The car se incorpora à esta categoria de obras; seu esforço consiste em nos convencer sobre a veracidade das situações que propõe, a antropomorfização de um meio de transporte. Aqui o inimigo não é mais o homem mas a máquina humanizada. Sua tentativa é também tecnológica: apontando o seu lado diabólico e destruidor, ela sugere a possibilidade de sua superação, talvez com resultados práticos: um super-carro com pneus e para-brisa à prova da bala. (SAS)

 

Publicada no jornal O Globo em 24 de fevereiro de 1978

 

 

O inferno de Drácula

 

Produção japonesa da Toho Filmes, 0 inferno de Drácula poderia ser visto como um estranho e bizarro filme, não fosse ele um típico exemplar de um cosmopolita cinema industrial. Baseado numa história de Sheridan Le Fanu, escritor irlandês do século XIX que integra o humor da novela inglesa do século XVII aos horrores e espectros do romance gótico (Fielding e Thackeray, por exemplo), sua trama transpõe este clima para os estúdios da maior produtora do Oriente.

O argumento conta a história de um professor que chega a uma escola feminina muito distante da capital e é convidado a substituir o atual diretor. Intrigado com estranhos acontecimentos que ocorrem antes de sua chegada e crescem com sua presença, o professor descobre - após algumas investigações - a existência de vampiros que estão em busca do sangue de mulheres virgens. A ação se passa num clima sofisticado, com a participação de um estranho e vampiresco professor de francês que cita Baudelaire e suas "flores do mal", que ferem as mãos de quem as tocam e se transformam de brancas em vermelhas. Não faltam, no entanto, os. velhos maneirismos dos filmes de horror, com os pretensamente inesperados .e assustadores ruídos amplificados, o tom expressionista de iluminação, além de outros mimetismos e esgares de interpretação, código de linguagem que caracteriza os mais comuns filmes do gênero.

Entre todas estas redundâncias e alguns cortes na cópia, salvam-se algumas seqüências em mais este thriller de terror cujo título nos parece inadequado, uma vez que o personagem de Drácula foi criado por Bram Stoker em 1897, data posterior à morte de Sheridan Le Fanu, falecido em 1873. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 6 de abril de 1977

 

Ódio

 

O lema da violência no estilo das manchetes dos jornais noturnos, este é o assunto de Ódio. - "O que você faria se visse seu pai, sua mãe e uma irmã menor serem massacrados?" proclama a publicidade do filme. Pergunta que parece refletir a preocupação de uma faixa do cinema americano de hoje. com seus grandes planos em câmera lenta de explosões de projéteis - bem no estilo do grande espetáculo.

Exatamente como na grande maioria das produções deste cinema, Ódio, do ator-produtor e diretor Carlo Mossy, não consegue ver além da exterioridade desta violência. Sua ótica é a dos parcos efeitos especiais, das maquiagens deformadoras, da encenação supostamente grandiosa e retórica, dos discursos pomposos e vazios. Talvez se pudesse falar de uma certa preocupação do diretor-produtor e principal ator do filme no sentido de procurar uma alternativa para o  cinema comercial brasileiro depois do evidente declínio da pornochanchada, de que ele também participou.

Seu modelo, no entanto, é o cinema americano, com outras implicações sociais, políticas e econômicas. E sua ideologia - perigosamente sensacionalista - parece também conter uma incitação á violência, como na seqüência do linchamento de um dos matadores da família do advogado Roberto (interpretado pelo próprio Carlo Mossy). Da empreitada também não escapam outros atores do filme - mesmo alguns de bom nível - como Jayme Barcellos, Fernando Reski e Atila Iório, que permanecem aprisionados na camisa-de-força do estereótipo e da caricatura. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 24 de agosto de 1977

Sérvulo Siqueira