A rainha do kung fu

 

Reunindo alguns recursos do cinema policial - marcação musical, narrativa fluente - e  da comédia - gags inteligentes - este filme kung fu mostra que existem  vontade e espaço para  introduzir modificações no seu universo estrito de socos e pontapés. Pensando talvez na frase segundo a qual "é preciso que algo mude para continuar como está", o diretor Lo Wei e o produtor Raymond Chow, prolíficos fabricantes de lutas marciais filmadas de Hong Kong, estabeleceram em Back alley princess uma oportuna redução do índice de lutas da película, que em outras produções, chega a atingir a quase 90% do tempo de exibição.

Estas modificações tendem certamente para o kitsch, uma adaptação/deformação de elementos do cinema mais elaborado, mas proporcionam uma observação da atmosfera da cidade, com seus tipos urbanos e problemas sociais como a criminalidade, a infância abandonada, as habitações, etc. Falta, no entanto, aos responsáveis pela produção uma perspectiva que transforme este filme kung fu em um quadro mais abrangente da realidade a que se reporta. A proposta soçobra nas águas do sentimentalismo e do heroísmo superficial da história e dos personagens. (SAS) 

Publicada no jornal O Globo em 8 de março de 1978

 

A volta de Bruce

 

À porta do cinema, um cartaz estampa em grandes tipos a participação de Bruce Lee. É preciso registrar a má-fé e a leviandade do exibidor. enganando o espectador. O mesmo sistema que levou aquele famoso praticante das lulas marciais ao desgaste físico e à morte, fabrica hoje sucedâneos e arremedos na forma de sucessores ou  supostos continuadores.

Neste exemplar, dirigido por Joseph Velasco, as amplificações sonoras e as piruetas ao menos são substituídas por lutas que despertam alguma credibilidade, e os propósitos morais parecem bons. Embora já tenha sido dito que as intenções morais não façam boa literatura e, provavelmente, nem bom cinema, pode-se constatar que há filmes kung fu que se preocupam com alguns problemas da sociedade como tráfico de sexo e infância abandonada. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 9 de novembro de 1977

 

Bruce Lee contra o Super-Homem

 

Não é Bruce Lee, é Bruce Li. E o Super-Homem, na verdade, não é um: são diversos e mais parecem aqueles bufões que acompanhavam as comitivas dando saltos e fazendo piruetas. A história, como sempre, é um mero pretexto para demonstrações artificiosas do Kung Fu.

O que, no entanto, precisa ser observado é a  leviandade do distribuidor que apresenta um produto falsificado, enganando o espectador. Esta não certamente a primeira vez que isto acontece. Em outra ocasião, ainda este ano, houve até a ameaça e uma possível reação dos espectadores.

Diante de filmes como este, pode-se até falar de uma suspensão do juízo — uma epoché crítica - onde todas as considerações só podem dar mesmo lugar aos mais severos adjetivos: de péssimo a desonesto. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 3 de agosto de 1977

Carrascos de Shaolin

 

Intitulando-se "os grandes provedores de entretenimento no Extremo-Oriente", os Shaw Brothers são uma grande usina de filmes kung-fu que extrai uma substancial parte de seu lucro de uma vasta rede de cinemas do Sudeste Asiático, com ramificações em Honolulu. São Francisco e Nova York. Neste filme eles se uniram ao seu paradigma hollywoodiano - a Warner Brothers,  empresa com a qual compartem o mesmo brasão - para a criação de uma rede de produção/distribuição que leve ao consumidor mais um produto de sua linha de montagem.

Dadas as características deste consórcio, os propósitos do filme se resumiram a um cardápio requentado “para o Ocidente” de um digesto da saga marcial histórica chinesa,  com os praticantes de Kung-fu em confronto com os opressores japoneses, que lutam caratê. Seu estilo de filmagem é um pouco obscuro: para não deixar ver o pano de fundo, uma câmera se detém nos planos mais próximos dos protagonistas, enquanto  uma lente objetiva desfoca propositalmente sobre cenários previamente armados. Com o propósito de produzir uma impressão de realismo e verossimilhança, são consumidos nos Estúdios Shaw 30 litros de falso sangue por dia. Entre outros efeitos, são também utilizados amplificações sonoras, extras e doublés, que acentuam a sensação de perigo.

A pretexto de oferecer uma perspectiva histórica sobre lutas marciais, Executioners of Shaolin expõe duas variantes do estilo de luta Kung-fu: o garça e o tigre. No garça temos a agilidade e no tigre, a força e a contundência. Procedendo como de hábito na cultura de massa, o filme incorpora - contrariando a tradição destas lutas, que têm raízes numa filosofia de vida - as duas variantes. O personagem que as encarna é o filho dos rígidos praticantes dos estilos tigre (o homem) e  garça (a mulher). Tudo esquematizado da forma mais positiva e otimista, como nos melhores arquétipos hollywoodianos. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 23 de novembro de 1977

Kung Fu desafia o dragão negro

 

Lançado em cinemas de 2ª linha - Art-Palácio Méier e Art-Madureira - que função teria esta produção no mercado brasileiro de hoje? Que importância representaria para nosso universo cultural, econômico ou social? Que liquidez apresentaria para nossos exibidores se em seu lugar fosse exibido um similar nacional, mesmo que de baixa qualidade como este kung fu?

As respostas são claras: Kung Fu desafia o dragão negro, com sua exaltação dos socos e pontapés e sua fábula piegas do ladrão sentimental, exerce apenas a função de arrebatar ao filme nacional as divisas que aqui poderiam permanecer. Sua programação nos cinemas citados somente se justifica pelo fato de provavelmente, ter sido alugado a preços  muito baixos, em desrespeito à legislação em vigor. E sua importância para nós é a mesma que teria uma partida de futebol entre um time de Hong-Kong e outro de Formosa pelo campeonato de juvenis da Ásia. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 12 de outubro de 1977

Kung fu, duelo de campeões

 

A tela do cinema Rex pode se transformar, apesar da baixa qualidade dos filmes -  e provavelmente por isto mesmo - em amostra dos padrões e clichês que regem a mais rotineira produção comercial. Entre os filmes exibidos no programa duplo, o kung fu The stranger repete a mesma estrutura anedótica que modelou os filmes de faroeste. Entre as várias histórias-clichês apontadas por André Bazin em ensaio que serviu de introdução ao livro de J. L. Reyperout, O western ou o cinema americano por excelência, uma delas está claramente retratada no filme: o mocinho vem de longe, enfrenta os índios e bandidos do lugar, vence-os, restabelecendo a ordem e a justiça na cidade, e, ao final, vai embora.

A simplificação desta ética, que resume os conceitos estratificados do bem e do mal, assume neste gênero de cinema de linha de montagem mais rústica uma forma-padrão de sistema de referência, da mesma maneira que se pode dizer que quase todas as novelas de folhetim se parecem. Em lugar dos colts e winchesters, temos agora os socos e pontapés, como a expressão de um gosto estereotipado pelo exótico oriental. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 25 de janeiro de 1978

Nas garras de Shao Lin

 

Depois de assistir a mais um exemplar dos filmes de Kung Fu. algumas conclusões podem ser estabelecidas.

Em primeiro lugar, é preciso considerar que, após o esgotamento do filme de faroeste em sua escala de produção industrial hollywoodiana e de suas variantes na Espanha e em Cinecittá, na Itália, o seu modelo cultural permanece intocado. A luta das forças do Bem contra os cavaleiros do Mal ainda persiste nas telas acrescida, agora, dos efeitos amplificadores da técnica.

Em segundo lugar, deduz-se que esta versão Hong Kong da célebre fábula do calcanhar de Aquiles - com a descoberta da parte vulnerável do corpo de Fang Shih-yu - não seria exatamente uma grande surpresa, já que o modelo sofisticado das lutas orientais repete o velho sistema do mocinho simpático contra o bandido canastrão. Usando uma terminologia da teoria da informação, considera-se que há uma ligeira mudança no repertório, enquanto o código permanece o mesmo.

Finalmente, uma sugestão. Melhor do que resistir a esta arena chinesa, seria assistir ao Festival de Cinema Brasileiro que a Abraci - Associação Brasileira de Cineastas - promove esta semana no Caruso. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 18 de agosto de 1977

O matador Shao Lin das artes marciais

 

O princípio de mais esta produção de Hong Kong que tem como tema as artes marciais, além das suas óbvias intenções comerciais, é muito simples: consiste em regular e moralizar os efeitos da prática do kung fu por meio do uso das constantes hipérboles cinematográficas que caracterizam o gênero. Regular, insistindo sobre o fato de que a seita Shao Lin utiliza as artes marciais como um meio de libertação do espírito, E moralizar, sublinhando o principio fundamental do "não matarás".

No cinema, as conquistas técnicas sempre concorreram para a sua afirmação como espetáculo. Poderosas lentes teleobjetivas, filtros de várias cores, intensa amplificação sonora de vozes e ruídos; todo este arsenal de hiperbólicos dispositivos tecnológicos também pode ser usado — como no caso efetivamente o é — por um artesão desta variante da indústria de imagens, estabelecida em Hong Kong. Só que, no filme em questão, a moral e a regra não passam de banais subterfúgios e a hipérbole pretendida não consegue ser mais do que uma pobre redundância. (SAS)

Publicada no jornal O Globo em 2 de março de 1977

 

Sérvulo Siqueira