Festival de desenhos Hanna-Barbera

 

Como programa de férias para crianças talvez fosse melhor o lançamento de novos filmes, entre os muitos desenhos produzidos anualmente no mundo inteiro e, também, no Brasil. Mas como distribuidores e exibidores vivem em sua maioria do imediatismo dos lucros, decidiram pelo lançamento de uma velha coletânea com certificado de censura expedido em 1975. Sua produção, entretanto – conforme está indicado nos títulos – data de 1960, época em que a usina de animated cartoons Hanna-Barbera ainda não havia sido completamente poluída pela espetaculosidade e o artificialismo dos seus super-heróis.

Organizada em torno do personagem de Loopy Le Beau, "o lobo charmoso" – uma figura desastrada que está sempre querendo fazer o bem embora provoque o contrário – algumas de suas histórias pretendem ser uma paródia das fábulas que Walt Disney popularizou. Recriados por meio da técnica nem sempre formalmente tão apurada dos estúdios H & B, ressurgem os antigos personagens da Branca de Neve e outras criaturas do desenho animado em aventuras onde a produtora satiriza sua concorrente.

Dada a época em que foi criado, sua inspiração reflete padrões dos modelos culturais contemporâneos: o existencialismo e uma certa ironia que pode ser percebida no desejo de revolta contra sua própria condição. Afinal, o lobo quer ser bonzinho, atencioso – o que é uma negação de sua herança atávica – e se integrar na sociedade, que por sua vez naturalmente o rejeita. Trata-se de um personagem que certamente busca a empatia do espectador, sem que para isso o criador tenha que recorrer às formas espetaculares e grandiloqüentes dos super-heróis hoje em profusão, e cuja moral reside muito mais nas onomatopéias do aniquilamento e da destruição. Para as crianças ainda não contaminadas pelas deformações trazidas pela violência do mais forte e do mais bem armado – e mesmo para as crianças do passado – o personagem desajeitado e marginal do Loopy Le Beau representa uma abertura para a compreensão de que a verdade e a razão nem sempre estão com os mocinhos e os heróis.

 

Sérvulo Siqueira

 

Publicada no jornal O Globo em 29 de julho de 1978