21 de novembro de 2014
Da guerra de baixa intensidade ao golpe de estado planejado
A expectativa do império americano e seus asseclas no Brasil de que
venceriam as eleições presidenciais do último 26 de outubro não se
confirmou. Como resultado, as rivalidades se acentuaram e começam a
assumir ares de um iminente confronto. O verdadeiro sistema de castas
das sesmarias e capitanias hereditárias que se instalou no poder há mais
de 500 anos não aceita a política populista de distribuição de renda
proposta pelo atual partido hegemônico e coloca em ação todo o seu
aparato infiltrado no Estado para impedir que o projeto vitorioso
implemente o seu programa de governo.
Visando preservar os privilégios que adquiriu, serve-se dos instrumentos
que utiliza desde a colonização mas como sabe que a imensa maioria da
população brasileira não apoia uma intervenção militar busca outros
métodos mais sutis de ruptura das instituições legais.
Não tendo alcançado seu objetivo de produzir uma “revolução colorida”
que levasse à derrota eleitoral da atual presidente, o amplo arco de
alianças de direita do nosso Bananão ‒ velhos oligarcas da economia e da
política encastelados no setor financeiro, grandes proprietários de
terras, as seis famílias detentoras dos meios de comunicação no Brasil,
antigos partidários da esquerda hoje arrependidos e convertidos ao
neoliberalismo, além de uma grotesca trupe onde não faltam cães furiosos
do fascismo e alguns bobos da corte ‒ decidiram que vão depor a
presidente eleita por meios legais.
Se se confirmar a vitória de Tabaré Vázquez nas eleições presidenciais
do Uruguai, no próximo dia 30 de novembro, vai se tornar ainda mais
claro que as políticas de George W. Bushinho, Barack O’Bomber e dos
neocons americanos já não são tão são bem recebidas na América Latina
como o foram no passado.
Ao mesmo tempo, as sucessivas derrotas militares de Tio Sam nos campos
de guerra do Oriente Médio ‒ Iraque, Afeganistão, Síria, Líbano e,
recentemente, diante do Estado Islâmico, criado pelos próprios Estados
Unidos para derrotar Bashar Al-Assad ‒ acentuam o sentimento de
frustração dos gringos, que por sua vez vivem uma grave crise econômica
no momento.
As técnicas de golpe de estado ‒ quebra da ordem constitucional para a
instalação de um novo governo por meio da força, que na América Latina
têm sido praticadas com muita frequência pelas Forças Armadas, em geral
sob inspiração e com apoio do governo americano ‒ têm sido estudadas por
um significativo número de cientistas políticos. Pode-se dizer que por
aqui, abaixo da linha do Equador, já experimentamos quase toda a
variedade deste coquetel de golpes brancos, golpes de mão, golpes
palacianos, quarteladas, putsch, intentonas, etc. No final de junho de
2009, ficamos conhecendo outras inovações do velho golpe de estado
quando um grupo de encapuzados vestindo uniforme militar sequestrou o
presidente Manuel Zelaya de Honduras e o levou para a Costa Rica,
enquanto um Congresso devidamente depurado de qualquer voz da oposição
procedeu a um rápido juízo político do governante e o defenestrou do
cargo.
Em 2012, também no mês de junho, depois de um confronto entre policiais
e camponeses, um processo político que durou pouco mais de 24 horas ‒
considerado ilegal e ilegítimo pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos ‒ destituiu o presidente constitucional do Paraguai, Fernando
Lugo.
Neste momento, sabichões de todos os matizes, jurisconsultos dos mais
variados naipes, juízes pouco confiáveis, membros do poder judiciário e
policiais dos órgãos de segurança, pseudojornalistas da chamada imprensa
amestrada e remanescentes do regime militar de 1964-1985 avaliam as
várias estratégias que adotarão para derrubar o governo Dilma.
As opções vão desde o impedimento da sua posse, com a não aprovação das
suas contas de campanha cujo escrutínio será operado pelo notório Gilmar
Mendes, até a abertura de um processo de impeachment por crime de
responsabilidade a ser determinada por Eduardo Cunha, cuja candidatura à
presidência da Câmara de Deputados conta com o apoio maciço dos
golpistas.
No momento, não se vislumbra no horizonte a probabilidade concreta de
que isto venha a ocorrer ‒ dada a completa ausência de base legal para a
ação e o apoio popular com que conta a presidente recém-eleita ‒ mas a
oposição golpista trabalha nos vários níveis, dispondo especialmente do
apoio dos meios de comunicação para desacreditar o novo governo antes
que ele possa dizer a que veio.
Se isto vier a ocorrer, se porventura este desenlace terrível e
altamente trágico se concretizar, vivenciaremos provavelmente uma nova
modalidade de golpe, certamente diferente das que conhecemos
anteriormente na América Latina.
O que deve suceder após o golpe não será por certo muito diferente do
que já vimos e experimentamos: uma guerra de extermínio com o
desencadeamento de uma sanguinária caçada aos membros e simpatizantes do
governo deposto, no estilo do que ocorreu nos anos 1960 e 70 no Brasil,
Uruguai, Argentina, Chile e Peru quando dezenas de milhares de
opositores foram sequestrados, torturados e mortos por agentes civis e
militares da repressão treinados por funcionários da CIA americana.
O mais recente exemplo de um golpe de estado seguido de uma brutal
repressão ocorreu no início desse ano na Ucrânia quando ‒ financiados
por uma doação de cinco bilhões de dólares do Departamento de Estado
americano ‒ grupos neonazistas das milícias Svoboda e do Partido de
Direita, que abrigam partidários do colaboracionista de Hitler Stepan
Bandera, depuseram o governo constitucional e iniciaram um processo de
limpeza étnica no leste do país, habitado majoritariamente por
descendentes de russos.
Como justificativa para ação, o novo primeiro ministro da Ucrânia, de
origem israelense, declarou que os descendentes dos russos sequer
pertenciam à espécie humana e chegou a chamá-los de “sub-humanos”.
Vivemos hoje em nosso país um momento em que começam a emergir de forma
muito agressiva as piores formas de racismo, com declarações que
atribuem a nordestinos a condição de “bovinos” e de “atrasados”, assim
como de profissionais da área de saúde da população que ousaram propor
um “holocausto” para aqueles que nasceram nas terras do nordeste
brasileiro, região cuja contribuição para a cultura brasileira é da
maior importância.
No plano político, os riscos de um conflito no Brasil são ainda maiores.
A nova ordem que, por desgraça, vier a se instalar por aqui se
defrontará com a resistência do Partido dos Trabalhadores ‒ que é,
juntamente com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, a maior
agremiação política do país ‒ e cujos militantes ainda demonstram uma
grande capacidade de organização e luta, como ficou provado nas últimas
eleições.
O que não pode deixar de ser considerado é que pela primeira vez em
nossa história nos encontramos exatamente na linha de fogo de um grande
confronto entre dois grandes blocos que lutam pelo controle da economia
mundial: de um lado o eixo Estados Unidos/União Europeia/Japão/Israel ‒
que atravessa uma grande crise econômica ‒ e de outro, o grupo dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e ao qual deve se
acrescer brevemente a Argentina, que vem nos últimos anos impulsionando
o comércio do planeta.
Os BRICS compreendem hoje mais de 20% da riqueza mundial e são
responsáveis por uma grande parte da circulação de produtos em todos os
continentes. Por sua vez, o intercâmbio comercial somente entre os
países membros do grupo já chegou à cifra de 300 bilhões de dólares.
Pela primeira vez também, o Brasil não se encontra na condição de
vassalo dos Estados Unidos ‒ situação em permaneceu desde a 2ª Guerra
Mundial ‒ e exatamente por isso que se coloca agora como alvo do império
americano, já que a queda de Dilma Rousseff certamente enfraqueceria a
posição da Rússia e da China na América Latina.
Confrontada no plano externo por suas posições de independência em
relação aos EUA, Dilma se verá forçada a tomar decisões ‒ no âmbito
interno ‒ que evitou ao longo de todo o seu primeiro governo como a
regulação da mídia, cujo comportamento notoriamente antiético, sem
escrúpulos, deliberadamente mentiroso e claramente difamatório em
relação à sua pessoa já ultrapassou qualquer limite de responsabilidade.
Sua vitória no pleito de 26 de outubro a compromete com as populações
menos favorecidas, o que a colocará em rota de colisão com as regiões do
sul e do sudeste, que vêm apresentando um crescimento significativamente
menor do que a região nordeste e onde começam a irromper violentos atos
de racismo e contínuas manifestações de separatismo.
Desde o fim da União Soviética e o colapso do projeto socialista de
integração de todos os povos da terra em torno de um sistema econômico e
produtivo comum, as sementes do separatismo e do racismo têm crescido,
insufladas pelo poder hegemônico ianque que ‒ na mesma linha do império
romano ‒ objetiva a divisão como a forma mais propícia para favorecer o
seu domínio.
Diante de todo este quadro, que muitos considerariam tenebroso, como vem
reagindo a nossa president(a)? Depois de vitoriosa, ela concedeu algumas
entrevistas aos mesmos órgãos de comunicação que a haviam flagelado
durante a campanha e depois se escafedeu para o Qatar e a Austrália, no
outro lado do mundo.
Com isto, abriu espaço para que oposição derrotada estabelecesse um
programa para seu governo e começasse a indicar nomes do seu agrado para
o futuro ministério. Mesmo antes de tomar posse, o novo governo já
sofreu algumas derrotas como a fatídica indicação de Gilmar Mendes para
o exame das contas de campanha de Dilma Rousseff.
Muitos se perguntam se um comportamento aparentemente tão desinteressado
não esconderia um plano muito bem engendrado que viria a ser revelado
quando, tal qual a esfinge de Tebas, a nossa governante proferisse a sua
palavra definitiva, ou seja, quando finalmente revelasse um ministério
com nomes de reconhecida capacidade.
Outros, no entanto, consideram que suas indecisões podem ser reveladoras
de outras características, que já foram muito bem expressas em Sangue e
Pudins, uma bonita canção de Zé Ramalho:
‒ Não guardo um segredo/ Mas sou bem secreto/ É que eu mesmo não acho a
chave de mim.
Sérvulo Siqueira
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