21 de março de 2015

 

O Brasil que esteve presente em 15 de março de 2015

 

 

O Brasil é o que a Rede Globo quer que o Brasil seja.

Hector Babenco

 

A PESADA HERANÇA HISTÓRICA ˗ A colonização do Brasil por Portugal, Inglaterra e Estados Unidos. Os mais de 400 anos de escravidão. As capitanias hereditárias. As sesmarias. A contínua pilhagem do país: os ciclos da cana-de-açúcar, do ouro, do gado, do café. A falsa proclamação da independência. A escravatura que não tem fim. O massacre das rebeliões dos séculos 18 e 19. O genocídio da população do Paraguai. O golpe da Proclamação da República. A política do “café com leite”. A fracassada revolta do Forte de Copacabana e a caça à Coluna Prestes. A intolerância política e o anticomunismo. A chegada silenciosa dos ianques. A conspiração contra Vargas e sua política nacionalista. A fundação da União Democrática Nacional (UDN) pelo embaixador americano. O suicídio de Vargas e a primeira tentativa de golpe contra um governo eleito. A eleição de Jânio, sua renúncia e a segunda tentativa de golpe contra um governo eleito. Carlos Lacerda, as mal amadas e a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade. A campanha do Ouro pelo Bem do Brasil. O grande complô contra Jango e o golpe bem-sucedido de 1964. As perseguições políticas, as prisões, a tortura e o assassinato de adversários ideológicos. Os Inquéritos Policiais-Militares (IPMs), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) e a Embaixada Americana: Vernon Walters e Lincoln Gordon. Os Atos Institucionais e a cassação de mandatos de governadores, deputados, juízes da Suprema Corte, etc... O fechamento do Congresso. Os assassinatos de Juscelino, Lacerda e Jango. A fabricação da dívida externa pelo governo militar de 1964-1985. A Censura e o fechamento dos jornais independentes. O apoio da grande imprensa à ditadura. As gigantescas manifestações populares e a queda do governo militar. A abrupta morte de Tancredo e a ascensão de Sarney. A Nova República e a grande frustração pela não concretização de um Brasil mais justo.

 

O DESMONTE DO ESTADO ˗ O estelionato de Fernando Color e sua falsa caça aos marajás. O confisco da poupança. A entrega do patrimônio do Estado brasileiro ˗ acumulado graças à compressão dos salários do trabalhador ˗ às grandes corporações estrangeiras. Fernando Henrique Cardoso e a compra de votos para sua reeleição. As doações das grandes empresas: Vale do Rio Doce, Embraer, bancos, estradas de ferro, siderúrgicas. Os escândalos empurrados para debaixo do tapete com a cumplicidade do Legislativo e do Judiciário. A submissão à política econômica do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A concentração de renda no Brasil, situada entre as maiores do mundo. A mais alta taxa de juros do planeta. O populismo do frango a um real. Os massacres dos trabalhadores sem terra: o escândalo do morticínio de Eldorado dos Carajás. Os incontáveis assassinatos de trabalhadores do campo nunca apurados. A eterna promessa da reforma agrária que nunca chegou. O segundo mandato de FHC: o governo que durou um mês.

 

O CENÁRIO URBANO ˗ A expulsão dos trabalhadores rurais do campo pelo agronegócio. Os transgênicos. A praga dos agrotóxicos. A transformação do Brasil de um país predominante rural ˗ nos anos 60 do século passado ˗ em um país essencialmente urbano nos dias de hoje. Aproximadamente 84% da população ˗ 170 milhões de pessoas ˗ vivendo nas cidades nas condições mais diversificadas: luxuosas mansões com guaritas, grandes condomínios fortificados e supervisionados pela mais estrita segurança, bairros com ruas sem pavimentação e iluminação pública, favelas ˗ providencialmente renomeadas como comunidades ˗ moradores de rua dormindo em caixas de papelão ou simplesmente sobre o chão frio das calçadas. Os alimentos que cheiram mal e que apodrecem rapidamente. O lixo e a poluição das cidades. Dezenas de milhões de carros, caminhões e ônibus coletivos percorrendo em alta velocidade ruas, estradas e avenidas mal pavimentadas e esburacadas, desrespeitando a sinalização, atropelando, matando ou seriamente ferindo dezenas de milhares de pedestres e outros motoristas que, por sua vez, tampouco respeitam os sinais luminosos. O péssimo transporte urbano: caro e ineficiente. A corrupção da polícia. O caos urbano e os congestionamentos de trânsito. Os extorsivos pedágios e a falta de segurança nas estradas: os roubos de carga e a proliferação de acidentes.

 

O AMBIENTE CULTURAL ˗ O descrédito dos agentes culturais e dos formadores de opinião no Brasil. Os meios de comunicação de massa e a mentira da sua informação. Baixa qualidade dos jornais: textos ruins, erros de gramática e redação, falta de preparo dos jornalistas. A estupidificação da grade televisiva: programas de auditório impregnados do grotesco, do sensacionalismo, da imoralidade. As pegadinhas. As tardes de domingo e a idiotização do telespectador. O terrorismo midiático e o recurso à notícia falsa, à fabricação do medo no espectador. O jornalismo com finalidades políticas. O aburguesamento dos grandes ídolos da nossa música popular. Os 15 minutos de fama dos falsos ídolos. Os canhestros heróis do Big Brother: vulgaridade, escatologia, permissividade. O desbragado culto do sexo e do corpo sarado. As academias e os anabolizantes. O álcool e as drogas como forma de afirmação social e cultural. A fetichização do terceiro sexo e o falso conceito da liberalidade. A contrapartida: os grupos intolerantes, os neonazistas, a Opus Dei, a TFP. A falta de respeito pelo contraditório. A violência das torcidas no futebol. A decadência dos clubes e a ausência de grandes jogadores.

O ELEMENTO HUMANO ˗ Um povo dominado. Quase 70 anos de governo autoritário no período de um século (30 anos da República Velha, em que não existia o voto livre e universal; 15 anos de ditadura varguista e 21 anos de governo militar, de 1964 a 1985). O golpe de 1964 e o fim da educação pública. A desqualificação da assistência de saúde proporcionada pelo Estado. A formação de representações corporativas no Parlamento: as bancadas dos donos de hospitais e de escolas, dos proprietários rurais, dos defensores das ações violentas para resolver problemas sociais (bancada da bala). A persistência do trabalho escravo no país. A ganância e a cobiça. O abusivo lucro dos bancos. O roubo desenfreado. Os escândalos de corrupção, amplificados pela mídia com finalidades políticas. A exploração da despolitização da população por partidos e grupos políticos derrotados nas eleições. O uso exacerbado do poder econômico. O conservadorismo histórico da classe média. O sempre latente racismo. O temor da perda de privilégios mantidos por um longo tempo e nunca contestados. O acesso à educação pelos mais pobres. Os programas sociais do governo. A maior oferta de bens de consumo e de capital. A falta de um projeto cultural e o excessivo apego aos valores materiais: o apartamento caro, o carro novo, os gastos supérfluos, a tecnologia da moda, a ostentação. O vazio interior, o desencanto e a vida sem sentido.

Tudo isto ˗ e ainda muito mais ˗ esteve presente nas manifestações do último dia 15 de março.

 Sérvulo Siqueira