16 de outubro de
2014
Aecinho e a mentira repetida mil vezes
Com
a justificativa de que isto contribui para o maior esclarecimento da
população, os debates presidenciais podem apresentar espetáculos
lamentáveis como o que ocorreu no início da noite de hoje na rede de
televisão SBT.
O
candidato Aécio Neves, um notório playboy e dandy da política, herdeiro
de uma pseudo-aristocracia de Minas Gerais assumiu ares de inquisidor e
‒ armado de um cinismo atroz assim como desprovido de qualquer escrúpulo
‒ tentou escapar de explicações que deveria fornecer sobre seus atos e
comportamento, ao mesmo tempo em que imputava à sua adversária as
características mais negativas do seu caráter.
É
claro que uma conduta tão iníqua não teria sido possível se este quidam
do neoliberalismo que estraçalhou o Brasil durante os sombrios oito anos
do governo de Fernando Henrique Cardoso não tivesse sido criado, cevado
e nutrido no seio da mais corrupta plutocracia do nosso país ‒ assessor
parlamentar sem trabalhar aos 17 anos, nomeado diretor da Caixa
Econômica Federal por um tio aos 25 anos ‒ e colocado na condição
de postulante à presidência por uma conspiração que compreende os
setores mais sórdidos da nossa sociedade e tem nos meios de comunicação
a sua ponta de lança delinquente e mentirosa.
Mentira foi aliás a palavra que Aecinho ‒ apelido pelo qual o candidato
é chamado, num misto de desprezo e pretensa familiaridade, em Minas
Gerais, onde também é conhecido por outras extravagâncias do seu
comportamento ‒ mais utilizou contra Dilma Rousseff, reduzindo ao nível
rasteiro um debate que poderia ser proveitoso e esclarecedor para o
eleitor
Como
não possui, na verdade, nenhuma proposta concreta de melhoria do povo
brasileiro que já não tenha sido implementada pelo atual governo e, ao
mesmo tempo, não pode apresentar a sua agenda secreta que contém a
privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica
Federal e a entrega do pré-sal às companhias americanas, limita-se a
apontar de forma repetida atos de corrupção, no que repete uma velha
prática dos candidatos de direita no Brasil desde as denúncias do "mar
de lama" em 1954 ‒ que culminaram no suicídio de Getúlio Vargas ‒, as
"Marchas da Família com Deus pela Liberdade e Contra a Corrupção", de
1964 ‒ que desencadearam o golpe militar desse mesmo ano e levaram a uma
ditadura que perdurou por 21 anos ‒ e à pérfida campanha eleitoral de
1989, com a "caça aos marajás" de Fernando Collor, mais tarde submetido
a processo de impeachment por corrupção em 1992.
Como
às elites brasileiras somente interessa manter o povo desta terra em
estado de torpor hipnótico para que se possa realizar com maior
facilidade a rapina das suas riquezas e do produto do seu suor, a velha
direita ‒ que é a mesma desde os tempos do Império ‒ se vale sempre das
denúncias de corrupção, um expediente simplista num país onde as
instituições sempre serviram apenas aos poderosos e que apresenta o
histórico de duas longas ditaduras, além de uma pequena participação
popular na reivindicação dos
seus direitos.
É
bem verdade que desde os tempos do Segundo Império inúmeros movimentos
sociais varreram de alto a baixo o nosso país mas o fato é que todos
eles foram esmagados pela repressão militar e seus líderes, na maior
parte dos casos, executados.
A
luta do povo brasileiro prosseguiu no entanto, mesmo ao revés dos
massacres, e levou ao voto universal e obrigatório e a inúmeras
conquistas sociais que permitiram que chegássemos, no início dos anos 60
do século passado, em condições de nos transformarmos no curto período
de tempo em uma grande potência.
Este
processo foi infelizmente interrompido em 1964 e somente em 1989 tivemos
a oportunidade de voltar a eleger um Presidente da República pelo voto
direto e universal quando novamente os setores mais reacionários e
corruptos do Brasil se serviram das denúncias da mesma corrupção e
ineficiência que havia alimentado o seu poder para entregar enormes
riquezas do nosso país aos estrangeiros, sob o argumento de que isto se
constituía num processo "moderno" de administração dos negócios
públicos.
Entretanto, o próprio arauto da moralidade e da modernidade ‒ Fernando
Collor de Melo ‒ terminou sendo abalroado do poder quando se viu
envolvido igualmente em amplas acusações de malversação de recursos
públicos.
Vinte e cinco depois, a história se repete e tudo indica que o script
preparado pelas nossas atrasadas elites não mudou muito. Temos novamente
mais um Collor na corrida presidencial e parece que uma parte
considerável da população o leva a sério.
Dada
a ampla manipulação a que a maior parte da população brasileira é
submetida diariamente pelos meios de comunicação por meio de programas
de nível muito baixo como pegadinhas de tevê, noticiários mentirosos e
com matérias distorcidas, além de grotescos programas de auditórios que
beiram a vulgaridade, pode-se temer que um candidato com uma
personalidade tão sinistra e um discurso tão virulento venha a se sair
vitorioso nas eleições do próximo dia 26 de outubro.
Com
uma parte da população já se encontra intoxicada por denúncias de
corrupção, não resta outra coisa ao playboy mineiro travestido de
salvador da pátria e guardião dos bons costumes ‒ embora sua carreira de
notório oportunista esteja permeada de atos obscuros tanto no plano
íntimo quanto no aspecto público da sua conduta ‒ senão insistir
desatinadamente nas difamações, provavelmente inspirado na máxima de
Paul Joseph Goebbels implantada no regime nazista de Hitler de que "uma
mentira repetida mil vezes se transforma em verdade".
Mantendo, de forma maldosa, a estratégia de atribuir à adversária as
características da sua própria personalidade, Aecinho ‒ como faz
habitualmente ‒ se antecipa a qualquer crítica que possa sofrer e assim
acusa a presidente Dilma de adotar uma conduta que, na verdade, é
praticada por ele mesmo.
Este
e outros procedimentos fazem parte de um processo de guerra psicológica
e controle da mente, também chamado de guerra de quarta geração, que se
constitui num dos expedientes mais sofisticados empregados para a tomada
de poder, especialmente quando os objetivos não podem ser claramente
revelados.
Com
os meios de comunicação no cabresto, Aecio Neves fabricou um suposto
choque de gestão por meio de uma maquiagem de dados e índices mas que ‒
quando confrontados com a realidade ‒ mostram o estado de Minas Gerais
com uma cruel distribuição de renda e um pequeno crescimento. Por outro
lado, quando criticado por jornalistas em sua visão propositalmente
distorcida da realidade, costuma perseguí-los ou colocá-los na cadeia
como quando mandou prender o jornalista Marco Aurélio Flores Carone, do
site Novo Jornal.
Para
chegar onde chegou, tendo sido sempre um político medíocre e sem os
méritos de seu avô, Aecinho silenciou com ricas verbas de propaganda os
meios de comunicação de Minas Gerais para que pudesse assim, por
meio de mentiras, anestesiar a população de seu estado e se reeleger
governador. Com sua derrota para Dilma e a vitória de Fernando Pimentel
sobre Pimenta da Veiga para o governo do estado, sua pretensa
condição de vice-rei e governador-geral de Minas parece estar chegando
ao fim.
Apesar desses revezes, Aecinho acredita estar em condições de se tornar
presidente da república não só por suas ambições de poder e vaidade
pessoal mas também porque provavelmente seus patrões ‒ aqueles a quem
terá que prestar contas já que são os fiadores de sua candidatura ‒ não
encontraram outro candidato em condições de enfrentar a atual
presidente.
No
segundo turno das eleições de 1989, um repórter abordou o coronel Jarbas
Passarinho e lhe perguntou em quem iria votar. Passarinho, que havia
servido a vários governos da ditadura, responsáveis por tortura e morte
de vários adversários políticos, respondeu:
‒
Não concordo com algumas idéias deste rapaz mas acho que devemos dar uma
oportunidade a ele.
O
povo brasileiro também decidiu dar "uma oportunidade" a Fernando Collor
e hoje todos sabemos o que aconteceu.
O
que está em jogo não são apenas denúncias de corrupção ‒ um mal endêmico
que infesta o país há mais de cem anos ‒ mas a nossa possibilidade de um
futuro com menos injustiça social, a preservação das riquezas de nosso
país para os habitantes da nossa terra, uma maior harmonia entre as
diferentes regiões com a eliminação de um racismo crescente e a
perspectiva do Brasil assumir um lugar entre as nações que a grandeza
seu território e o contingente de sua população lhe dão direito.
Passados 25 anos, não podemos correr o risco de dar uma nova
oportunidade a outro aventureiro político.
Sérvulo Siqueira |