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Agosto no Brasil: da tragédia de 1954 à farsa de 2016

 

O Brasil, que já assistiu à posse de Dutra, Café Filho, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo, José Sarney, Collor, Fernando Henrique, viu ontem a entronização no poder de mais uma triste figura do nosso cenário político: o ex-suplente de deputado, ex-secretário de Segurança de São Paulo, ex-vice-presidente da República e atual Ficha Suja – portanto, inabilitado para o exercício de qualquer cargo público Michel Temer como novo presidente da República.

Nenhuma dessas figuras demonstrou estar à altura dos desafios exigidos por um país das dimensões e tão cheio de contradições como o nosso e todos fracassaram em seu propósito.

Este deverá ser certamente o caso de Temer, que desembarca no comando da nação em decorrência de um golpe de estado parlamentar e sob o estigma da total falta de credibilidade.

A ascensão desse medíocre político de Tietê, São Paulo, que não teve mais votos do que o estritamente necessário para se eleger deputado federal por seu estado, somente se tornou possível em razão de uma ampla conspiração que envolveu órgãos de inteligência e empresários americanos e contou com a ativa participação de todos os meios de comunicação empresariais do Brasil liderados pela Organização Globo, empresários vinculados ao agronegócio e aos bancos nacionais e estrangeiros e se concretizou por meio do apoio de mais de 300 parlamentares acusados de corrupção e quase 50 senadores envolvidos em práticas escravagistas, assassinato, lavagem de dinheiro, peculato, extorsão, tráfico de influência, recebimento de propinas, formação de quadrilha e outros crimes de colarinho branco que tiveram em muitos casos o beneplácito da cumplicidade ou da silenciosa omissão do Judiciário.

Dada a complexidade de todos os tentáculos em que se desdobrou esta vasta conspiração e as imensas riquezas do Brasil que serão oferecidas como recompensa à pilhagem a ser realizada pelos golpistas, acredita-se que muitas dezenas de bilhões de dólares devem ter sido dispendidos para a compra e o suborno dos diversos agentes desestabilizadores do governo deposto.

Se como lembrou a subsecretária de Estado americana, Victoria Nuland, o governo ianque gastou cinco bilhões de dólares para derrubar o presidente Viktor Yanukovych da Ucrânia em 2014, quanto teria sido gasto no Brasil – um país muito maior e mais rico – para derrubar Dilma Rousseff?

Em razão deste compromisso, o presidente impostor que ora assume o cargo terá que impor muitos sacrifícios à população para obter os recursos necessários que serão distribuídos aos participantes deste golpe. Terá ele condições de cumprir as promessas que fez as seus patrocinadores, considerando os desafios que terá de enfrentar tanto em sua base de governo quanto da oposição que acaba de derrotar?

Como dificilmente seu projeto de redução de direitos sociais, extinção das leis trabalhistas, reforma da Previdência Social, privatização dos principais ativos econômicos do país como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as reservas petrolíferas do pré-sal encontrarão uma ampla acolhida na população, terá muitas dificuldades para saldar suas dívidas com os grandes conglomerados econômicos que estão por trás de sua ascensão.

Ao mesmo tempo, fatos recentes ocorridos desde o incisivo discurso de Dilma Rousseff no Senado na última segunda-feira, dia 29 de agosto, e a circunstância de que surpreendentemente não perdeu seus direitos políticos, podem ter produzido uma alteração no cenário brasileiro que a considerava completamente derrotada.

De forma paradoxal, o que se vê no momento é exatamente o contrário. Enquanto Temer – agora visto pela população como um traidor a seus antigos aliados e capaz de gestos bastante sórdidos – assume em um cenário de grande crise com a obrigação de administrar uma economia arruinada e tendo que prestar contas à nação por suas propaladas propostas de reforma e "modernização", a presidente afastada ganha a postura de alguém que foi vítima da conspiração de um sindicato de ladrões após ter permitido todas as investigações contra a corrupção no país e termina condenada sem a comprovação de qualquer crime. Por sua tenacidade e coerência, revela qualidades de caráter que naturalmente faltaram ao débil presidente golpista ao longo de toda a sua vida pública. Neste cenário de confronto devem transcorrer os próximos dois anos e quatro meses, tempo que terá o presidente golpista para implementar a sua agenda de estabilização da economia e de equilíbrio político do país. Isto se não ocorrerem novos e abruptos fatos como a abertura de um processo de impeachment contra seu governo na eventualidade de um cerco da oposição liderado pelo PT e aliados ou até mesmo da sua instável base de governo, que como ocorre sempre nos atos criminosos, se une apenas para a perpetração de um crime.

Os maiores riscos residem no seu próprio gabinete, quase todo ele envolvido em acusações de corrupção que terão que ser estancadas, o que provavelmente levará a um grande confronto com o estamento Judiciário, que participou ativa e passivamente do processo golpista, sobretudo a partir da operação Lava Jato, desencadeada em Curitiba pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro munido por informações fornecidas pelos órgãos de segurança americanos, segundo denunciou o site Wikileaks.

Tal é a fragilidade do governo golpista que a primeira reunião ministerial da Administração recém-empossada, que por breves minutos foi registrada pelos meios de comunicação, colocou no ar para todo o país palavras do novo presidente que jamais deveriam ter sido pronunciadas em público. Expressões como “Não vou tolerar!” e “Isto aqui não é brincadeira!”, pronunciadas por Michel Temer, revelam a insegurança em que se encontra o seu governo desde o primeiro momento.

Dirigindo-se aos seus ministros como um bedel ou chefe de disciplina fez reprimendas e os advertiu com palavras como estas:

Não pode se manifestar sem ter uma combinação conosco.

O que aconteceu em seguida, não se sabe se já programado ou em decorrência das gafes do mandatário entrante, foi a súbita retirada do ar da reunião para evitar que a roupa suja do novo governo continuasse a ser lavada em público.

Testemunhas implacáveis desta grotesca página da História do Brasil, as câmeras de vídeo registraram também momentos em que vários políticos que participavam do golpe se comportaram sem a menor dignidade exigida para o cumprimento de funções públicas como cochichos e conversinhas ao pé do ouvido, e afagos exagerados. Em outras imagens, o presidente do Supremo Tribunal, Ricardo Lewandowski, e o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, demonstraram visivelmente que não sabiam ou não se lembravam no momento da letra do Hino Nacional, que normalmente emoldura as cerimônias falsamente patrióticas de posse.

Foi preciso que chegássemos ao último dia do mês de agosto para que a História se repetisse, desta vez como farsa. De forma fatalista, este triste episódio encerrou mais um mês de agosto do decurso trágico deste país tão rico em recursos e ao mesmo tempo marcado pelo atraso, a ganância e a truculência das suas elites.

O regime sionista neoliberal que se apossou da União Europeia e a leva progressivamente à ruína determinou que hoje a negação do holocausto deve ser considerada um crime. Para que a nossa farsa seja completa, só falta que o Congresso Nacional estabeleça que é proibido o uso da palavra golpe para designar o que aconteceu no dia de ontem. As penas poderiam variar entre a obrigatoriedade de ler a coluna de opinião do jornal O Globo ou a exigência de assistir o Jornal Nacional todos os dias. O que for mais doloroso.

 

 Sérvulo Siqueira