5 de março de 2013
Como nunca foi derrotado, Chávez terminou sendo morto pelo império
Hugo Chávez é mais um grande líder do nosso continente que morre em
circunstâncias misteriosas. Ao longo do século 20 e em razão da
proximidade geográfica dos povos latinos do hemisfério com o império
anglo-saxão americano, foram muitos os combatentes pela independência
dessa região que caíram, a maior parte deles derrubados por golpes de
estado organizados e financiados por Washington.
Paradoxalmente, Chávez não foi derrubado por um golpe de estado mas
vitimado por um câncer, doença que nos últimos anos atacou vários chefes
de estado do continente, coincidentemente todos eles opositores das
sempre brutais políticas que os ianques aplicam em uma região que até
pouco tempo consideravam como seu quintal. Fernando Lugo no Paraguai,
Cristina Fernández Kirchner na Argentina, Luis Inácio da Silva e Dilma
Rousseff no Brasil provavelmente não concordavam com este ponto de vista
− e de forma estranha − passaram a padecer da mesma doença.
Tragicamente, Hugo Chávez − aquele que verdadeiramente se opôs de forma
clara aos desígnios sórdidos e ignominiosos do império americano - foi o
único até agora que veio a sucumbir diante da doença.
O fato adquires ares ainda mais sinistros quando já se começa a propalar
que Chávez − um mestiço branco, índio e negro de constituição forte,
treinado como paraquedista no exército venezuelano − pode ter sido
envenenado, talvez – segundo relato de Nicolás Maduro – durante sua
passagem pelo Brasil, em junho de 2011.
O próprio presidente da Venezuela já havia levantado esta hipótese
quando − logo no início dos sintomas − apontou a estranha coincidência
da incidência da doença entre os presidentes da America Latina que
faziam oposição aos Estados Unidos. Da mesma forma, horas antes do
desenlace de Chávez o vice-presidente da Venezuela denunciou que − como
Yasser Arafat − ele também havia sido envenenado.
Em 14 anos como presidente da Venezuela, Chávez transformou-se num dos
mais importantes líderes do Terceiro Mundo, conceito elaborado por Yves
Lacoste e Amílcar Cabral para designar os países que buscam um
desenvolvimento autônomo desligado dos modelos das nações hegemônicas.
Suas políticas públicas fizeram da Venezuela um paradigma de
distribuição de riqueza na última década a despeito da ferrenha oposição
que enfrentou, caracterizada no golpe de estado nitidamente fascista
concebido por Washington em conluio com as elites econômicas
venezuelanas e na greve terrorista e de sabotagem da PDVSA, empresa
nacional de petróleo, riqueza depositada no subsolo do país mas que –
somente com Chávez – foi utilizada em beneficio da população.
Chávez morre mas entra para a História como um líder latino-americano
que nunca foi derrotado pelo império norte-americano. No últimos anos,
sua aura cresceu tanto que o erigiu como uma referência para todos os
novos líderes do mundo que hoje ousam desafiar as brutais políticas
ianques que estão levando o mundo a uma nova guerra mundial.
Para nós que ficamos aqui nesta triste América Latina que ‒ por suas
próprias mazelas − parece que nunca consegue se libertar de seus tutores
do Norte, fica uma ausência imensa que dificilmente poderá ser
preenchida num curto espaço de tempo. Persiste também a trágica sensação
de que estamos sempre recomeçando, como um filho que jamais atinge a
maioridade e subitamente se vê defrontado com a velhice e a senectude
ou, como no suplício de Sísifo, todo um povo que é condenado a levar uma
imensa pedra até o cume de uma montanha para vê-la rolar inexoravelmente
abaixo pouco antes de alcançar o topo.
Para nós, brasileiros, a sensação pode ser ainda pior. Ficamos reduzidos
a uma governo pífio, medíocre, insensível e até mesmo esquizofrênico
conduzido por uma pessoa escolhida para compor a função provisória de
chefe do almoxarife da república mas que ameaça permanecer por ainda
novos longos anos no poder.
Com a ausência de Chávez, perdemos o brilhante paradigma de um homem
público sensível, culto, afável e verdadeiramente humano, portanto
alguém que se situa nas antípodas da atual gerente brasileira, Dilma
Vana Rousseff.
O vácuo que deixará também vulnerabiliza seus melhores aliados na
América do Sul. Cristina Fernández Kirchner, Evo Morales e Rafael
Correa, assim como Daniel Ortega na América Central, ficam expostos a
possíveis golpes de estado e a novas e diferentes tentativas de
assassinato já que – como se sabe – o presidente norte-americano Barack
Obama dispõe hoje de uma kill
list, que lhe permite ordenar a execução de qualquer ser humano nas
mais longínquas partes do mundo.
Chávez junta-se agora a todos os nossos heróis mortos mas eternamente
ressurretos: o seu amado Bolívar, o nicaraguense Sandino, o cubano José
Martí, o padre colombiano Camilo Torres, o argentino Ernesto Ché
Guevara, o chileno Salvador Allende, além dos nossos Frei Caneca,
Tiradentes, João Goulart e Leonel Brizola, entre muitos outros que deram
suas vidas por uma América Latina verdadeiramente livre de colonizadores
e opressores.
Como profetizou um dia Getúlio Vargas, um outro líder brasileiro, ao ser
derrubado pelo nosso eterno inimigo que − por suas contínuas políticas
de morte e destruição − provavelmente acabará um dia se autodevorando em
suas próprias tripas:
− Saio da vida para entrar na história!
Quanto a nós, que permanecemos neste mundo cada vez mais pobre de
verdadeiros seres humanos e de ideias só nos resta a convicção de que −
irremediavelmente − agora "somos todos Chávez"
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